Aos 18 anos tem-se a vida e o mundo inteiro pela frente, ou pelo menos assim se pensa, quando se acaba de passar a fronteira da adolescência para a idade adulta. O percurso de Elmano Sancho na representação não deixa adivinhar que o teatro só tenha aparecido a sério uns bons anos depois de atingir a idade adulta, e após ter concluído a licenciatura em Economia. Conquistou o Prémio Melhor Actor de Teatro 2014, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), com a peça “Misterman”, de Enda Walsh, na qual é actor, encenador e responsável cénico e que está em reposição, até ao próximo sábado, noTeatro da Politécnica, em Lisboa.
Antes já tinha sido nomeado para outros galardões, tudo isso em pouco mais de dez anos de carreira. Um caminho que começou a formar-se cedo na cabeça, mas noutros moldes, e que só viria a ser trilhado muito mais tarde. “Tinha 18 anos, o 12.o acabado, e não tinha nenhuma experiência de teatro. Na altura já gostava da representação, sobretudo de cinema. Só que achava que tinha muito tempo, então fui para o curso de Economia. Mas mal entrei percebi que não era isso que iria fazer. Depois de o terminar, no mesmo ano, concorri ao Conservatório e mudei.”
A mudança passou por outras licenciaturas, como a da Escola Superior de Teatro e Cinema – a que somou cursos de Teatro em Madrid,São Paulo e Paris -, e a de Tradução. “Veio depois do teatro. Percebi que tinha um domínio bom das línguas, só que não tinha nenhum diploma que o confirmasse. Decidi fazer o curso de Tradução, dei explicações, formações e fui professor algum tempo. Ainda dou formações, de vez em quando, mas mudei de rumo.”
O rumo é agora sobretudo o do palco, apesar do amor antigo pela sétima arte. “Interessava-me mais o cinema, porque via imensos filmes, mesmo na televisão, e não ia ao teatro. Quando fui para o Porto, no 11.o e 12.º ano, comecei a ver mais, depois entrei no Teatro Universitário do Porto e tive mais contacto com essa forma de arte. Mas tem a ver com o percurso, tenho tido mais propostas de teatro que de cinema, e acabei por ganhar uma paixão pelo teatro que não sabia que poderia vir a ter.”
A paixão estende-se por vários palcos. Elmano Sancho confessa adorar digressões e reposições e desconhece o que é cansar-se de fazer a mesma peça várias vezes. “Com o ‘Tanto Amor Desperdiçado’, em 2007, fizemos o espectáculo um ano depois num festival e senti que, de certa forma, sem pegar muito no texto, sem ter ensaiado mais, o meu trabalho estava no ponto de que gostava, e isso acontece porque as coisas acabam por amadurecer.”
“Misterman” está de novo em cena e marcou a estreia do actor como encenador. Já com a rodagem do amadurecimento, recorda o desafio de encarar o outro lado da cena pela primeira vez.
“Inicialmente achava que não ia gostar. Continuo a ver-me muito como actor e ainda é difícil pensar numa estética ou linguagem como encenador, mas gosto de ser responsável por uma equipa e de tentar ter essa voz como encenador, que é uma voz diferente. O actor faz uma proposta de interpretação, o encenador faz uma proposta em relação a uma obra e acho isso interessante. Já tenho outro projecto para este ano como actor e encenador, mas não sei até onde é que isto vai”.
O novo espectáculo de que fala chama-se “I Can’t Breathe” e está previsto para Dezembro, na próxima edição do festival Temp d’Images, no mesmo teatro que agora acolhe “Misterman”.
A peça criada com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian – entidade que já tinha atribuído uma bolsa ao actor para uma valorização e especialização no estrangeiro – traz uma nova prova para Elmano Sancho superar. “Não vou ser só eu em palco, há outra actriz, mas aqui o texto vai ser escrito por mim em co-criação com o Rui Catalão. E essa é a grande diferença, porque nunca o fiz profissionalmente, não sei o que é escrever um texto de teatro. E isso assusta-me um bocado porque um bom texto é quase o que faz um bom espectáculo.”
A ideia foi desenvolvida nos Estados Unidos da América, onde frequentou um curso na Siti Company, de Anne Bogart, com a bolsa da Gulbenkian, centrado no treino físico intenso do corpo. O actor considera que essa parte deve ser tão trabalhada como noutras profissões artísticas, dando como exemplo os bailarinos e cantores líricos. “Se não praticarem todos os dias não conseguem continuar, e acho que com o actor é igual, nós é que pensamos que não. O palco requer um tipo de energia que não é uma energia quotidiana e isso não é fácil de conseguir, temos de treinar um corpo sensível aos impulsos, a tudo o que acontece em cena, e a voz também. É o equilíbrio mente/corpo”, defende.
Aprender novas formas de trabalho leva Elmano Sancho a tentar, pelo menos uma vez por ano, tirar algum tempo para se dedicar à formação ou para trabalhar no estrangeiro, com pessoas de outras culturas e num contexto diferente. Da mesma forma, aproveita as passagens por outros países para ver teatro – a última peça que o marcou foi “Timeloss”, de Amir Reza Koohestani, uma produção do Mehr Theatre Group a que assistiu em Nova Iorque – e embora por vezes não compreenda a língua em que é falada, isso não constitui uma barreira. “Adoro ver actores completamente comprometidos. Não é fácil, mas é uma lufada de ar fresco e uma inspiração. Há alguma coisa que passa e comunica e acho muito interessante ver actores que sabem fazê-lo dessa forma. Por isso é que também fiz teatro físico.”
Não tem heróis particulares na representação nem papéis de sonho, até porque, diz, muitos dos que representou nunca se lembraria de os escolher e outros nem conhecia. “Só mais tarde é que consigo que eles encaixem em mim. Quando o Jorge Silva Melo me propôs o ‘Herodíades’ vi o texto e pensei: ‘É tão difícil, como é que vou fazer isto?’ Mas aceitei o desafio. ‘A Estalajadeira’ também não tinha pensado fazer, pensaria mais facilmente em Molière.” A personagem Mascaril, do dramaturgo francês, foi, de resto, a única com a qual sentiu uma ligação imediata. “Foi no conservatório, em Paris. Houve um encontro incrível. Gostava de voltar a fazer este papel para ver como o abordaria agora.” Ou seja, com mais dez anos, muitos papéis depois e outra experiência, mas ainda longe do estado de plenitude, que se persegue sem a certeza de se alcançar. “É o que nos leva a continuar.”