(leia a primeira parte da entrevista aqui)
Gosta quando o comparam com José Rodrigues dos Santos?
Em termos de números, é a comparação natural a fazer, é quem vende mais.
É aí que gostava de chegar?
Gostava de ser lido pelo maior número de pessoas. Nunca delineei um número.
Há alguma coisa que não sacrifique para vender mais?
Irem fotografar a minha casa, por exemplo. Já o recusei.
E na escrita?
Escrever só para vender? Não. Já disse: não acho que o ”666” seja algo que as pessoas vão comprar muito.
O Tiago Bettencourt disse-nos numa entrevista há uns tempos que a certa altura aprendeu truques para as músicas chegarem mais longe. Não usa esses truques nos seus livros, por exemplo, a questão das frases?
Em qualquer obra dá para tirar uma frase, pôr no Facebook e ter um sucesso tremendo. Não vejo nenhuma obra em que isso seja impossível. Depois, é um trabalho meu e da Bárbara para escolher as mais interessantes, que atraiam as pessoas e não digam tudo sobre o livro. A ideia de que o meu estilo é construído para ter punch line é falsa. Quando estou a escrever não estou à procura disso, estou à procura de escrever o que a personagem sente. Agora devo dizer, e daí a importância da publicidade, que sempre quis dizer muito em poucas palavras. Não há nenhuma receita, às vezes perguntam-me isso.
As pessoas vão aos seus workshops à procura da receita para serem famosas?
Isso não, mas para serem lidas por muitas pessoas. Fiz esse percurso. Na apresentação do “Mata-me”, o meu primeiro livro publicado, tive quatro pessoas.
E depois foi chamando pessoas conhecidas para o ajudarem.
Sim, essa abordagem começa por ser pré-lançamento, vou pedindo opiniões.
Mas porque é que quer ser lido pelo maior número de pessoas?
Porque o meu interesse quando escrevo é também esse. Escrevo porque tenho de escrever, mas depois quero ser lido, como o músico quer ser ouvido pelo maior número de pessoas.
Alguns dirão que só querem fazer a sua música. É falsa modéstia?
Em alguns casos, há-de ser puro.
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Irrita-o quando é falsa modéstia?
Não é caso disso. Agora, eu escrevo e quero ser lido. Não vejo nada de hediondo nisso. As pessoas, quando escrevem um livro, dois ou três, por mais que sejam tímidas, há uma altura em que querem mostrar isso ao mundo. Eu quis ser lido porque acho que isso é o outro lado do processo de escrita. Um texto existe quando é lido. Se calhar, muitos autores perderam-se por não se mostrarem.
Enviam-lhe muitos textos?
Sim, muitos. Há de tudo. Pessoas que manifestamente precisam de escrever mais, que acham que sai uma obra-prima à primeira. E há outros que são muito bons. Mas percebe-se acima de tudo o que motiva a pessoa, se é só para ir à televisão ou se é algo de dentro.
Qual é a sua motivação para escrever, hoje?
Foi sempre a mesma. Tenho de escrever, é uma necessidade. É algo que eu tenho de fazer, e às vezes custa. Outras vezes é mais fácil.
Mas vai alternando, já foi mais fácil ou já custou mais?
Depende do dia e do que estou a escrever. Num romance tenho uma disciplina de atleta de alta competição. Um atleta treina cinco ou seis horas por dia, eu também tenho de ter uma disciplina férrea, um capítulo, dez páginas por dia. Coloco desafios a mim próprio e não admito desvios.
E agora, está a fazer o quê?
Estou a acabar o “666”. Com este, tenho três livros para publicar.
Mal acaba um começa outro?
Geralmente há um período de interregno, até pelo trabalho de revisão.
Fica uma diva quando está a escrever?
Não, mas tenho alguns rituais. Escrever no mesmo sítio, por exemplo. E também tenho o ritual de estar desconfortável.
Uma cadeira de pau?
Sim, na agência de publicidade era o único que tinha uma cadeira de madeira quando todos tinham cadeiras almofadadas. Acho que escrevo melhor assim.
E é de rasgos?
Não acredito muito nisso.
Mas não tem o caderno das ideias?
Sim, tenho, escrevo aqui e ali uma frase que oiço e que pode ser interessante. Mas não acredito naquela ideia da inspiração, de sermos atingidos por um raio. Vou mais pela ideia de ter de estar a escrever para surgir alguma coisa. Existe muito a ideia de momentos de felicidade na escrita. Eu acho que as coisas nunca surgem do nada.
Apaga muita coisa?
Sim. Faço limpezas nos meus textos sem misericórdia.
Ainda não me disse o seu clube.
Não posso. É segredo de Estado.
Porquê?
Não tem nada de dramático.
É um tema melindroso?
Fica o meu assunto tabu. O tal mistério…
Partido?
Também não me meto nisso.
Mas liga a política?
Sou uma pessoa atenta, gosto de ouvir debates, de estar informado.
Sabe em quem vai votar?
Perfeitamente.
Mudança ou continuidade?
Isso já dizia muito. Julgo que nestas coisas, política e futebol, é importante alguém que não quer ser etiquetado manter distância e não apoiar directamente um clube ou um partido. É uma forma de liberdade e quero sentir-me livre.
Mas é de esquerda ou direita?
Um artigo recente dizia que os humoristas são todos de esquerda. Não quero que digam “este gajo escreve isto porque é de esquerda ou de direita”. Há o exemplo máximo de Saramago, que foi muito castigado por ser de esquerda e por ter estado ligado ao PCP. É um Nobel lembrado por ser comunista.
Não são também mais credíveis os escritores de esquerda?
É capaz, a ideia do lado humano mais presente, e a direita mais ligada às empresas, aos grandes patrões.
Preocupa-o o estado do país?
Muito. Mas tanto os de esquerda como os de direita se preocupam, cada um com as coisas que considera mais importantes, e nada está muito bem.
Alguma vez pensou em emigrar?
Sim, mas para países de língua portuguesa: Brasil, Cabo Verde, Angola. Continuar a escrever na minha língua. Chegou a ser uma possibilidade, mas neste momento estou bem em Portugal.
E agora consegue viver da escrita.
Sim, neste momento já é possível, mas faço muitas outras coisas.
O que é que fez com o dinheiro que já ganhou?
Nada, tenho uma vida caseira.
Em que é que gasta mais?
Gasto o dinheiro com os meus, em convívio. Não sou um esbanjador, não há assim nada com que perca a cabeça. Tenho uma biblioteca, mas também trago muitos livros de casa dos meus sogros.
Lê o quê?
Clássicos e contemporâneos. Andei a ler Harold Pinter, Philip Roth. De portugueses, gosto de autores da geração, mas também Saramago, Lobo Antunes.
Mas insiste em demarcar-se dos intelectuais.
Da ideia de que o intelectual é mais do que os outros. Gosto de ler, de escrever, de saber, mas não me sinto como aquela figura que decreta o que é bom e mau. Se mexe comigo é bom, se não mexe é mau. Agora tentar dizer aos outros que isto é melhor do que aquilo, não o faço.
Tem muitas críticas negativas?
Que me cheguem, não.
Algumas pessoas acham-no insuportável, que é só clichés.
Há pessoas que acreditam que a literatura é ser sempre Dom Quixote ou aquilo que idealizam, não é a minha ideia. Nem da literatura nem da arte no sentido mais lato. É algo que mexe com as emoções de quem lê ou vê, mas para mim também é importante um lado estético, a beleza. Foi uma descoberta que tive com Herberto Helder. Na obra de Herberto não é uma experiência literária ou emocional, mas visual. Quando me dizem “este texto é lindo”, não é depreciativo.
Porque é que acha que muitas pessoas repudiam os clichés?
Acredito que os clichés fazem parte do que somos. Não consigo perceber a ideia de que temos de inventar sempre a roda. Há uma personagem do “1984” que diz que o grande livro é aquele que nos diz aquilo que já sabemos. Concordo.
As pessoas gostam de parecer mais inteligentes que o comum?
Em termos literários há muito a ideia de que se é complicado e as pessoas não percebem, então é porque é bom. Se for hermético, é bom. Às vezes escrevem--me a dizer que leram o meu “O Evangelho da Alucinação” e que aquilo é que era um livro. Quando comecei a escrever coisas que mais pessoas lêem, deixou de ser bom. Eu tenho 100 mil críticos, poucas pessoas podem dizer isso. No geral, o feedback é bom, ainda que de vez em quando algumas pessoas digam que sou um vendido.
Dói quando lhe dizem coisas más?
Custa sempre. Quanto mais somos lidos, mais pessoas vão gostar de nós e mais não vão gostar. Isso é algo que qualquer pessoa que se expõe tem de perceber.
Isto vai ser uma fase ou imagina-se velhinho com 3 mil livros publicados?
Não faço a mínima ideia do que vai ser amanhã. Às vezes tenho a ideia de me dedicar à pesca. Neste momento sou jovem e ainda aguento este ritmo.
É o momento mais feliz da sua vida?
Se não é o momento mais feliz da minha vida, é dos melhores. Não só pelos livros.
Além do futebol e da escrita, o que é que o faz mais feliz?
A minha mulher, os meus gatos.
Não tem receio de um dia acordar e não lhe sair nada?
Se isso acontecer, hei-de arranjar outra coisa.
Por exemplo?
Gostava de ser treinador, porque não? Ou de estar mais ligado à música.
Mas canta?
Dizem-me que é melhor não cantar, mas tenho uma viola em casa e um dia vou dedicar-me a isso. Não sei se daqui a dois anos ou três vou continuar dedicado à escrita, mas vou escrever sempre.
Esperava conseguir tanto tão rápido?
A brincar, são dez anos de percurso. Sou muito ambicioso e competitivo no sentido de conseguir sempre o melhor. Se calhar, fiquei com isso do desporto.
E o maior defeito, qual é?
Se calhar, o pior é o tal desassossego. Querer sempre fazer mais pode criar alguma instabilidade psicológica, porque é perfeitamente normal que alguém que está sempre a criar objectivos por vezes não os atinja. Estou sempre à procura desse tipo de adrenalina e quando descarrilo há momentos de apagamento.
E o maior medo?
Perder as pessoas de quem gosto.
Tem medo da morte?
Tento não pensar muito nisso. Os meus primeiros livros falavam muito de morte. É engraçado que disse que leu só o último e, de facto, há essa perspectiva mais cor-de-rosa. Na primeira entrevista foi o oposto, achavam-me pessimista. Na nossa vida não há nenhum momento em que não haja um “apesar de”. E se nos concentrarmos no mau, nunca conseguimos aproveitar o que está bem. Todos conseguimos perceber isto, mas temos dificuldade em executar.
Sempre teve essa clarividência?
Já tive uma visão mais negra da vida.
E depois apareceu a Bárbara.
Sim, e depois a apareceu a Bárbara. Mas continuo a gostar dos pólos. É uma das frases na capa do próximo livro: a felicidade é um excesso na medida certa. Temos de experimentar qualquer coisa excessiva para sermos felizes.
Em que é que é excessivo?
No amor ou quando quero resolver todos os problemas dos meus.
Qual foi a maior prova de amor?
O passo que dei com a Bárbara: pouquíssimo tempo depois de nos conhecermos começámos logo a morar juntos.
Quanto tempo depois?
Um mês.
Já tinha vivido junto?
Sim, mas a Bárbara não. Foi um acto corajoso da minha parte e da dela. Por ser repentino, por ir contra o habitual.
Liga muito a isso?
Eu não, mas a família liga.
O pedido de casamento foi original?
Original no facto de o termos agendado há muito tempo. Estávamos juntos há muito pouco tempo e pusemos na agenda que íamos casar no dia 15 de Maio de 2015. A Bárbara gosta muito do 5 e era o próximo que tínhamos. E pronto, festejámos agora no Senhor de Matosinhos.
Não houve brinde com champanhe?
Não. Não bebemos álcool.
É verdade que também nunca fumou? No “Prometo Falhar”, a certa altura fala de experimentar um cigarro.
Nunca dei uma passa.
Como é que um escritor nunca deu uma passa?
Lá está, não bate certo com a ideia de escritor. Acho um nojo. E álcool também não aprecio. Há muito a ideia do artista que tem de ser um grande maluco, andar a cair pelos cantos. Lamento derrotar isso, mas nunca fui assim.
Se calhar foi um acidente de percurso escrever, não tem feitio de escritor.
Sim, se calhar não tenho feitio de escritor. Boa frase, vou passar a usar essa [risos]. Mas se calhar é porque nunca fiz uma tentativa de ser escritor. Porque é que eu digo que sou um gajo que escreve cenas? Retira o peso e permite-me escrever uma publicidade sobre hotéis.
Acha mesmo que é livre?
Sim, perfeitamente. Mas a responsabilidade é muito maior. O “666” vão ser 666 capítulos com seis palavras, uma loucura.
No meio de tudo o que não é ficção, o epitáfio que aparece em “Prometo Falhar” podia ser seu?
“Aqui está o idiota que tentou sempre fazer o que quis e conseguiu.” Neste momento, sim.