Vanessa e a difícil escolha da coligação perfeita para uma vida em comum


Desde que percebeu que a coligação entre Pedro e Paulo conseguiu durar quatro anos e, depois de renovados os votos daquele casamento sui-generis, a Vanessa decidiu que o seu objectivo era replicar o sucesso da coligação. A partir de agora, iria empenhar-se em arranjar um casamento por interesse. O amor só atrapalha, como se vê…


Estive de férias nas últimas semanas. A Vanessa telefonou-me lá para as minhas férias. O telemóvel tocou quando eu estava numa varanda fantástica, com vista para uma piscina e um pôr-do-sol lindinho (sim, isto é piroso, mas o elogio das férias, como o de outras coisas da vida, é fundamentalmente piroso. Talvez a vida seja toda pirosa e só uns tipos excelentes disfarcem).

– Quando é que voltas?

– Tens mesmo que saber?

Eu gostava de não ter recebido aquele telefonema. Na realidade, preferiria que fosse alguém a tentar impingir-me seguros para cães e gatos.

– Como sabes estou a tentar fazer um “project plan”  para o meu casamento por interesse. Preciso de ouvir algumas opiniões, Gostaria que fosses a minha “personal adviser”.

– Eu?

– Sim, tu.

– Oh pá deixa-me acabar as férias primeiro.

– Quando voltas?

– Quarta-feira já vou trabalhar.

– Podemos jantar nesse dia?

– ‘Tá bem.

Peguei outra vez no livro que andava a ler, a “Terapia” do David Lodge. É uma história esplêndida de um guionista que anda às voltas com uma dor no joelho e com a vida e faz terapia cognitiva. Achei que a Vanessa devia ler o livro. Estive quase a ligar outra vez para dizer-lhe que o devia comprar.

Na quarta-feira voltei ao trabalho e acabei a jantar com a Vanessa, num italiano ao pé de minha casa. A mesma pizza para ela, os mesmos tortellini com quatro queijos para mim. Se fosse tudo previsível como os nossos pratos preferidos – ou pelo menos se a Vanessa fosse tão previsível como a escolha das suas pizzas – eu era uma mulher mais feliz. Sei lá.

– Estive aqui a fazer uma lista dos possíveis candidatos a marido por interesse, na lógica duradoura da relação Passos-Portas.

– Mas houve muitas coisas chatas naquela relação. Tens a certeza que queres ir por aí? Chatices sobre chatices, humilhações públicas, desencontros.

– O que me interessa actualmente é a durabilidade. E está provado que o amor não é durável.

– Existem casos que provam o contrário.

– Comigo nunca aconteceu. E se calhar se a coligação fosse baseada num perfeito entendimento entre Passos e Portas não tinha durado tanto tempo. O interesse é que é o motor de um bom casamento.

– Pareces uma das piores personagens de Jane Austen a falar.

– A verdade está toda em Jane Austen. Toda a filosofia do amor ali está certa. Tudo o que veio depois foram só bacoradas.

Infelizmente havia nesta última frase da Vanessa alguma verdade. No século xix Jane Austen tinha fixado as normas do amor romântico, possível, aceitável, gerível. A começar pelo facto de Elizabeth Bennett só ter percebido o quanto amava Mr. Darcy depois de ter visto as suas imensas e gloriosas propriedades.

– Estava a pensar no Zé Manel.

– A pensar no Zé Manel para quê?

– Tu sabes que eu gosto muito do Zé Manel. Ele é um dos meus melhores amigos. Talvez fosse possível conseguir fazer um casamento com ele durar. Seria um casamento por interesse, claro. Mas o facto de ser o meu melhor amigo ajudava, não? Temos os mesmos objectivos de vida – um bocadinho como o Pedro e o Paulo – mas temos a vantagem de ser amigos.

-Casar com o melhor amigo? Queres que o teu marido seja o teu melhor amigo?

Três casamentos depois, tantos anos depois, tantos namorados depois e a Vanessa continuava a não perceber nada de nada.

– Qual é o mal de casar com o Zé Manel?

– Não se casam com os melhores amigos.

– Mas porquê?

No “Mansfield Park” Jane Austen dá a volta a esta situação. A heroína acaba casada com o melhor amigo. Mas a heroína não tem interesse nenhum.

– Apesar de tudo, Vanessa, eu acho que tu tens algum interesse. Mesmo para um casamento por interesse, só uma pessoa sem interesse nenhum casa com o melhor amigo. Não estás a perceber nada do que eu estou a dizer, pois não?

– Não.

– Então não vou explicar.
Os tortellini estavam tão bons que me senti por uns minutos muito feliz, Decidi que no próximo jantar explicaria melhor à Vanessa porque é que um casamento com o Zé Manel estaria condenado ao fracasso.

Vanessa e a difícil escolha da coligação perfeita para uma vida em comum


Desde que percebeu que a coligação entre Pedro e Paulo conseguiu durar quatro anos e, depois de renovados os votos daquele casamento sui-generis, a Vanessa decidiu que o seu objectivo era replicar o sucesso da coligação. A partir de agora, iria empenhar-se em arranjar um casamento por interesse. O amor só atrapalha, como se vê…


Estive de férias nas últimas semanas. A Vanessa telefonou-me lá para as minhas férias. O telemóvel tocou quando eu estava numa varanda fantástica, com vista para uma piscina e um pôr-do-sol lindinho (sim, isto é piroso, mas o elogio das férias, como o de outras coisas da vida, é fundamentalmente piroso. Talvez a vida seja toda pirosa e só uns tipos excelentes disfarcem).

– Quando é que voltas?

– Tens mesmo que saber?

Eu gostava de não ter recebido aquele telefonema. Na realidade, preferiria que fosse alguém a tentar impingir-me seguros para cães e gatos.

– Como sabes estou a tentar fazer um “project plan”  para o meu casamento por interesse. Preciso de ouvir algumas opiniões, Gostaria que fosses a minha “personal adviser”.

– Eu?

– Sim, tu.

– Oh pá deixa-me acabar as férias primeiro.

– Quando voltas?

– Quarta-feira já vou trabalhar.

– Podemos jantar nesse dia?

– ‘Tá bem.

Peguei outra vez no livro que andava a ler, a “Terapia” do David Lodge. É uma história esplêndida de um guionista que anda às voltas com uma dor no joelho e com a vida e faz terapia cognitiva. Achei que a Vanessa devia ler o livro. Estive quase a ligar outra vez para dizer-lhe que o devia comprar.

Na quarta-feira voltei ao trabalho e acabei a jantar com a Vanessa, num italiano ao pé de minha casa. A mesma pizza para ela, os mesmos tortellini com quatro queijos para mim. Se fosse tudo previsível como os nossos pratos preferidos – ou pelo menos se a Vanessa fosse tão previsível como a escolha das suas pizzas – eu era uma mulher mais feliz. Sei lá.

– Estive aqui a fazer uma lista dos possíveis candidatos a marido por interesse, na lógica duradoura da relação Passos-Portas.

– Mas houve muitas coisas chatas naquela relação. Tens a certeza que queres ir por aí? Chatices sobre chatices, humilhações públicas, desencontros.

– O que me interessa actualmente é a durabilidade. E está provado que o amor não é durável.

– Existem casos que provam o contrário.

– Comigo nunca aconteceu. E se calhar se a coligação fosse baseada num perfeito entendimento entre Passos e Portas não tinha durado tanto tempo. O interesse é que é o motor de um bom casamento.

– Pareces uma das piores personagens de Jane Austen a falar.

– A verdade está toda em Jane Austen. Toda a filosofia do amor ali está certa. Tudo o que veio depois foram só bacoradas.

Infelizmente havia nesta última frase da Vanessa alguma verdade. No século xix Jane Austen tinha fixado as normas do amor romântico, possível, aceitável, gerível. A começar pelo facto de Elizabeth Bennett só ter percebido o quanto amava Mr. Darcy depois de ter visto as suas imensas e gloriosas propriedades.

– Estava a pensar no Zé Manel.

– A pensar no Zé Manel para quê?

– Tu sabes que eu gosto muito do Zé Manel. Ele é um dos meus melhores amigos. Talvez fosse possível conseguir fazer um casamento com ele durar. Seria um casamento por interesse, claro. Mas o facto de ser o meu melhor amigo ajudava, não? Temos os mesmos objectivos de vida – um bocadinho como o Pedro e o Paulo – mas temos a vantagem de ser amigos.

-Casar com o melhor amigo? Queres que o teu marido seja o teu melhor amigo?

Três casamentos depois, tantos anos depois, tantos namorados depois e a Vanessa continuava a não perceber nada de nada.

– Qual é o mal de casar com o Zé Manel?

– Não se casam com os melhores amigos.

– Mas porquê?

No “Mansfield Park” Jane Austen dá a volta a esta situação. A heroína acaba casada com o melhor amigo. Mas a heroína não tem interesse nenhum.

– Apesar de tudo, Vanessa, eu acho que tu tens algum interesse. Mesmo para um casamento por interesse, só uma pessoa sem interesse nenhum casa com o melhor amigo. Não estás a perceber nada do que eu estou a dizer, pois não?

– Não.

– Então não vou explicar.
Os tortellini estavam tão bons que me senti por uns minutos muito feliz, Decidi que no próximo jantar explicaria melhor à Vanessa porque é que um casamento com o Zé Manel estaria condenado ao fracasso.