Não fossem todas as idas anteriores para clínicas de reabilitação e poderíamos pensar que Jonathan Rhys Meyers estava a dar uma de Joaquin Phoenix. Em 2009, Joaquin parecia ter enlouquecido quando começou a aparecer em público com um ar lastimável, cabelo desgrenhado e barba digna de um talibã. Numa entrevista tão surreal quanto absurda a David Letterman, o apresentador de “Late Show” terminaria o programa com um lacónico “foi uma pena que Joaquin Phoenix não pudesse ter estado connosco esta noite”. Afinal tudo não passava de um projecto ficcional de Casey Affleck, “I’m Still Here”, que documentava a mudança de carreira de Phoenix, de cantor para rapper. Joaquin esteve na pele da personagem até à estreia do documentário e enganou meio mundo. Depois fez a barba, cortou o cabelo, vestiu um fato e a vida voltou ao normal.
Com Jonathan Rhys Meyers, que apareceu a semana passada desalinhado, visivelmente embriagado e a beber vodka pela garrafa nas ruas de Londres, o caminho dificilmente será esse. A recuperação é sempre possível – e toda a gente gosta de um final feliz –, mas em momento algum deverá aparecer o irmão mais novo de Ben Affleck a dizer que tudo não passava de uma brincadeira. Só mesmo quem não souber nada sobre a vida passada de Rhys Meyers poderá sentir-se tentado a acreditar nessa doce versão: os problemas do irlandês com a bebida já se estendem há pelo menos uma década.
A primeira notícia que envolveu Jonathan e o álcool foi publicada há exactamente dez anos. Estávamos em 2005, ano em que o actor vestia a pele de Elvis Presley numa série televisiva (batendo mais de 200 actores no casting), e em que era escolhido por Woody Allen para participar em “Match Point” ao lado de Scarlett Johansson. A sua carreira teve um boost e os pormenores do problema com a bebida não eram muitos. Falava-se de uma ida voluntária para uma clínica de reabilitação e a coisa ficaria por aí. Dois anos depois a bomba voltava a estourar.
A 18 de Novembro de 2007 – já Jonathan fazia de Henrique VIII na série “Os Tudors” – acontece o primeiro de vários incidentes em aeroportos internacionais. Era um domingo à tarde, e o actor, que tinha então 30 anos e estava de regresso à cidade natal para promover o filme “August Rush”, deveria apanhar um voo de Dublin para Londres.
Mas o seu comportamento chamaria a atenção das autoridades e Rhys Meyers acabaria detido, enfrentando acusações de embriaguez e de perturbação da paz pública. Foi proibido de embarcar e a imprensa escreveria que, meses antes, no início do ano e já depois de rodado “August Rush”, Jonathan dera entrada, de novo, numa clínica de reabilitação.
As acusações seriam retiradas mas a morte da mãe, Geraldine Meyers, aos 51 anos, dois dias depois deste episódio, teriam um efeito devastador no actor. No dia seguinte, os paparazzi fotografavam--no a beber cidra às 10 da manhã.
A ligação de Jonathan à mãe era forte. Bebé prematuro, nascido dois meses antes do tempo, era o terceiro de quatro filhos do casal. Como nasceu com problemas cardíacos e se temia pela sua sobrevivência, os primeiros meses de vida foram passados no hospital. Os pais, irlandeses católicos, decidiram baptizá-lo rapidamente. Uma velha crença católica garantia que as crianças mortas por baptizar não iam para o Céu e vagueavam toda a eternidade no limbo. Em 2007 o Papa Bento XVI acabaria com este conceito, mas a 27 de Julho de 1977, dia do nascimento de Jonathan Michael Francis O’Keeffe, a ideia de limbo era uma perspectiva real entre os católicos.
Quando Jonny, como era tratado pelos irmãos, faz um ano a família muda-se para Cork. Não muito tempo depois, por volta do seu terceiro aniversário, o pai – o músico irlandês John O’Keeffe – sai de casa e leva consigo os dois filhos mais velhos. Jonathan fica a viver com a mãe e o irmão mais novo, Alan. Aqui a realidade mistura-se com a ficção, já que o próprio actor foi contando, ao longo dos anos, versões ligeiramente diferentes daquilo que foi a sua infância. A sua mãe seria alcoólica e muitas vezes gastava o pouco dinheiro do orçamento familiar em bebida, obrigando Jonny e o irmão a roubar. “Eu era um ladrão requintado”, confessou um dia numa entrevista. Isso explicaria o seu percurso académico tumultuoso e o fraco desempenho escolar – que culminaria na expulsão do North Monastery Secondary School, quando tinha 17 anos. Não admira que numa entrevista tenha reconhecido algumas semelhanças entre si e o rei do rock’n’roll. “Eu vi as coisas que tinha em comum com o Elvis e agarrei-me a elas. Tal como ele era um pobre rapaz do Mississípi, eu era um pobre rapaz de Cork. Nenhum de nós se deu bem na escola. Os outros alunos não gostavam particularmente de nós. Éramos muito, muito diferentes na maneira como nos vestíamos, na aparência. Ambos comprámos casas às nossas mães com o primeiro grande ordenado. E ambos sonhámos acordados e depois lutámos para tornar o nosso sonho realidade.”
Por esta altura, expulso da escola e com pouco mais perspectivas que o ócio e uns mergulhos nas piscinas locais, foi descoberto por uma conceituada agência, a Hubbard Casting, e faz a sua primeira audição. O papel acabaria por não ser seu e a estreia televisiva aconteceria graças a uma segunda audição para um anúncio das sopas Knorr.
“Comecei a trabalhar como actor com 18 anos porque consegui um papel num filme. Nunca fui aquele género de miúdo que pensava: ‘Quando for grande quero ser actor.’ O que aconteceu é que descobri muito novo, por engano, uma coisa que sabia fazer. Isso não quer dizer necessariamente que adoro passar a vida a fazê-lo.”
A primeira vez que o seu nome – O’Keeffe já tinha sido deixado para trás e substituído pelo nome de solteira da mãe – é creditado num filme, Jonathan Rhys Meyers aparece como “Primeiro Jovem” em “A Man of no Importance” (1994). A partir daí, a carreira segue em crescendo e filmes como “Bend It like Beckham”, “Match Point” ou “Missão Impossível III”vão consolidando o seu lugar enquanto actor. E estamos de volta a 2007, ano de estreia dos “Tudors” e do padrão errático.
No Verão de 2009, no Aeroporto Charles de Gaulle, a história repete-se. Visivelmente bêbado, Jonathan envolve-se numa altercação com um empregado de bar que se recusa a servir-lhe mais um copo que seja. Agindo como um “homem possuído”, como contaria na altura uma testemunha ao “The Telegraph”, Rhys Meyers seria detido e algemado pela polícia, depois de ameaçar o barman de morte. Durante todo o processo gritou à polícia que tinha dinheiro suficiente para se livrar de problemas. Ficou detido durante duas horas, “até ficar sóbrio”, e ser presente a um juiz. Por esta altura, as entradas e saídas de clínicas de reabilitação já eram frequentes e o actor começava a ser considerado problemático.
A multa de mil euros e o mês de pena suspensa a que foi condenado em Paris não serviram de lição e, no ano seguinte, o cenário foi o Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova Iorque. Proibido de voar na United Airlines, mais uma vez por estar alcoolizado, acabaria de novo em tribunal e de novo na reabilitação. Em 2011 chegou a circular a notícia de que terá tentado suicidar-se.
Apesar dos rumores, consegue papéis em dois filmes, “Belle du Seigneur” e “Albert Nobbs”, e em 2013 os holofotes voltam-se de novo para ele, quando encarna Drácula numa série televisiva de dez episódios. A sobriedade parece uma meta finalmente alcançada e Jonathan fala dos tempos loucos com à-vontade. “Era um selvagem, o mais que se pode ser”, admite ao “Daily Mirror”. “Quando apareces na capa de jornais devido à tua estupidez e por estares bêbado em aeroportos, a lutar com polícias e coisas desse género, e acordas no dia seguinte sem te lembrares de nada, a responsabilidade fica diminuída.” Admitindo ter pouca ou nenhuma memória do que fez, Jonathan parece decidido a não repetir erros: “À medida que envelheces vais vendo as coisas estúpidas que fizeste. E as consequências não são só para ti, magoas a tua família e os teus amigos.”
Tudo parece correr melhor e o menino bonito que um dia foi a cara da Hugo Boss parece de volta ao mundo dos príncipes encantados. Mas como em todos os bons argumentos, há um twist. Durante as rodagens de “Drácula”, o “Hollywood Reporter” anuncia que o protagonista da série tem boa parte do salário retido até que a série esteja concluída. Preocupada com o problema de dependência do actor, a NBC encontra esta solução – já testada com Alec Baldwin em “30 Rock” quando se ouvia o zunzum de que o actor queria deixar o elenco – para garantir que a série chega a bom porto. O produtor Bob Greenblatt sabia ao que ia. Foi ele quem quis que Rhys Meyers interpretasse Drácula, mesmo sabendo como podia ser difícil trabalhar com o alcoólico com quem partilhou o set em “Os Tudors”. À imprensa, a NBC tenta transmitir a ideia de que tudo não passa de uma espécie de seguro contra todos os riscos. Jonathan anda acompanhado de um companheiro de sobriedade e ninguém confirma um novo internamento. “Jonathan está num bom sítio agora. A sua saúde está ok”, diria um amigo ao “Hollywood Reporter”. Mas depois de “Drácula” Jonathan Rhys Meyers não voltaria a aparecer em nenhum filme ou série. E agora isto. Braguilha aberta, casaco do avesso, camisa com nódoas, garrafa de vodka botada abaixo nas ruas de Londres. E lembramo-nos da frase dita em 2013, aquando da estreia de Drácula: “Eu era um selvagem, mas agora só bebo sangue.”







