Estás a olhar para onde?


Há pessoas que têm um único propósito na vida: arranjar merda. 


Vão almoçar com os amigos para os contradizer incessantemente em frente a uma travessa de febras, vão para os copos para andar à pancada, vão ter com o namorado à espera de uma deixa para lhe atirar qualquer coisa à cara, vão para a paragem de autocarro perguntar ao primeiro que lhes aparece: “Estás a olhar para onde?”. É gente que gosta de deixar o azedume a fermentar para poder arremessar um pickle logo à primeira oportunidade.

Conheço muitas pessoas assim, que confundem a frontalidade com um rolo compressor e que, nestes tempos de indignação trendy, acham que expressar uma opinião é empunhar um archote e partir para o castelo do Dr. Frankenstein a gritar em caps lock: “VERGONHA! GATUNOS! ERA MATÁ-LOS!”

Está tudo a postos para agarrar a próxima deixa. E é cada vez mais difícil agarrarmos uma só, tal a profusão de razões para arranjarmos merda nos dias que correm. E dizem que as pessoas não se revoltam: já viram a força com que se martelam os teclados hoje em dia? As milícias desorganizadas estão galvanizadas, só não sabem para que castelo é que se hão de virar. Só nos últimos dias já se mobilizaram para combater o bullying, o acordo ortográfico, os benfiquistas e a violência policial. Imagino uma turba desorientada, com os archotes relutantemente acesos contra os ventos da mudança:

“É MATÁ-LOS! A quem? Não sei. VAMOS! Não é para aí, vamos antes para ali, mas VAMOS!”. E dizem que as pessoas não se mobilizam – então não se mobilizam? Só precisam é de uma agenda.

Quando o fenómeno é colectivo, as razões complexificam-se. Não pode ser só um “estás a olhar para onde”. Os indignados falam em “fazer justiça pelas próprias mãos”, o que não deixa de ser uma expressão curiosa quando, geralmente, estão é a “tomar as dores dos outros”, portanto suponho que essa justiça acabe por cair nas mãos erradas.

As milícias clubísticas a que se dá o nome de claques falam em “apoiar o seu clube” mas têm a missão mais ou menos secreta de lixar os adeptos do clube alheio. Já aquele agente de Guimarães, ele próprio membro de uma espécie de milícia, estava supostamente a “manter a ordem”. Mas tinha, afinal, a mesma motivação que todos os outros: arranjar merda.

Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado

Estás a olhar para onde?


Há pessoas que têm um único propósito na vida: arranjar merda. 


Vão almoçar com os amigos para os contradizer incessantemente em frente a uma travessa de febras, vão para os copos para andar à pancada, vão ter com o namorado à espera de uma deixa para lhe atirar qualquer coisa à cara, vão para a paragem de autocarro perguntar ao primeiro que lhes aparece: “Estás a olhar para onde?”. É gente que gosta de deixar o azedume a fermentar para poder arremessar um pickle logo à primeira oportunidade.

Conheço muitas pessoas assim, que confundem a frontalidade com um rolo compressor e que, nestes tempos de indignação trendy, acham que expressar uma opinião é empunhar um archote e partir para o castelo do Dr. Frankenstein a gritar em caps lock: “VERGONHA! GATUNOS! ERA MATÁ-LOS!”

Está tudo a postos para agarrar a próxima deixa. E é cada vez mais difícil agarrarmos uma só, tal a profusão de razões para arranjarmos merda nos dias que correm. E dizem que as pessoas não se revoltam: já viram a força com que se martelam os teclados hoje em dia? As milícias desorganizadas estão galvanizadas, só não sabem para que castelo é que se hão de virar. Só nos últimos dias já se mobilizaram para combater o bullying, o acordo ortográfico, os benfiquistas e a violência policial. Imagino uma turba desorientada, com os archotes relutantemente acesos contra os ventos da mudança:

“É MATÁ-LOS! A quem? Não sei. VAMOS! Não é para aí, vamos antes para ali, mas VAMOS!”. E dizem que as pessoas não se mobilizam – então não se mobilizam? Só precisam é de uma agenda.

Quando o fenómeno é colectivo, as razões complexificam-se. Não pode ser só um “estás a olhar para onde”. Os indignados falam em “fazer justiça pelas próprias mãos”, o que não deixa de ser uma expressão curiosa quando, geralmente, estão é a “tomar as dores dos outros”, portanto suponho que essa justiça acabe por cair nas mãos erradas.

As milícias clubísticas a que se dá o nome de claques falam em “apoiar o seu clube” mas têm a missão mais ou menos secreta de lixar os adeptos do clube alheio. Já aquele agente de Guimarães, ele próprio membro de uma espécie de milícia, estava supostamente a “manter a ordem”. Mas tinha, afinal, a mesma motivação que todos os outros: arranjar merda.

Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado