A campanha eleitoral vai ser cansativa, já sabemos. Mas isso faz parte. O problema mais profundo é o recuo assustador na democracia que várias atitudes revelam.
Não é novidade que a introdução do euro amarrou Portugal a um colete de forças que impõe severos limites às políticas que podem ser decididas pelos eleitos. A austeridade, em si, não é obra exclusiva de Passos Coelho (embora ele sempre a tenha defendido com proclamações do género “ir além da troika”). A austeridade está inscrita na política comungada pelos partidos socialistas e populares europeus (o PS e o PSD e CDS daqui), embora quando estejam na oposição os partidos socialistas se esforcem por mostrar que têm uma alternativa.
O boicote europeu à democracia tal como a conhecíamos tem sido bastante debatido. Os eleitores de um país do euro votam num partido e depois os respectivos dirigentes vão a Bruxelas e dizem-lhe que os seus programas não são possíveis.
Esta semana, o défice democrático em que vivemos foi assumido como arma de arremesso de campanha pelo PSD, ao desafiar o PS a enviar o seu programa macroeconómico para “avaliação prévia” do Conselho Superior de Finanças Públicas e da Unidade Técnica de Apoio Orçamental. Nunca tal se tinha visto: um programa de um partido a submeter-se a um visto prévio. O que está inscrita nesta ideia é muito mais grave do que uma mera acção de agit-prop de campanha: é a ideia de que a democracia vale pouco ou nada. O voto de cada cidadão português tem um valor residual – os eleitos não são aqueles que vencerem as eleições, são programas previamente avaliados por “unidades técnicas” e conselhos de finanças públicas.
Já agora, por que é o PSD não optou por pedir ao PS que envie o seu programa macro-económico para visto prévio de Bruxelas? Ou para avaliação prévia da senhora Merkel? E do BCE? E do senhor Schäuble, mais do senhor Sigmar Gabriel que é socialista mas não pensa de maneira muito diferente?
Há uns anos, quando se falava em federalismo europeu saltava logo um coro de personagens a insurgirem-se contra o fim da soberania, etc. Entretanto, o federalismo não democrático foi imposto com o consentimento alegre dos maiores partidos.
Se o PS deixou cair batalhas como a da reestruturação da dívida (há um ano defendida por quase toda a gente da actual direcção e também na versão renegociação pela direcção Seguro) para se conformar com as ordens de Bruxelas, o PSD vai mais longe e quer um visto prévio ao programa socialistas dos órgãos de apoio económico. A democracia que o 25 de Abril celebra já não é exactamente a mesma: infelizmente, os portugueses votam, o Conselho Europeu decide, os governos nacionais conformam-se. Estamos a viver o fim de uma época e aquele absurdo projecto de visto prévio das campanhas eleitorais, embora não pareça, tem a ver com isto: a democracia é hoje um valor em queda acentuada.
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Escreve à quarta-feira