Comer muito e emagrecer


O cenário macroeconómico do PS é demasiado cor-de-rosa para servir de base a um debate genuíno


António Costa entendeu por bem pedir a um conjunto de economistas que desenhassem um cenário macroeconómico, que deveria servir de enquadramento ao programa eleitoral do PS, iniciativa que deveríamos saudar.

Os eleitores ficariam na posse de um documento, que deveria ser analisado em duas etapas. Numa primeira etapa far-se-ia uma análise técnica ou positiva (não confundir com favorável) do documento, em que os resultados e consistência interna seriam avaliados. Em princípio, e dada a qualidade de alguns dos elementos escolhidos pelo PS para a equipa que produziu este texto, esta primeira fase seria relativamente consensual, com algumas discordâncias sobre questões secundárias.

A segunda etapa, de avaliação normativa ou política, é que deveria gerar as maiores divergências, como é natural. É natural esperar que o debate técnico–científico gere um consenso, embora em economia isto seja mais raro que noutras ciências, porque há visões políticas muito diferenciadas e que condicionam e distorcem a própria avaliação técnica.

A primeira observação a fazer é que dos 12 economistas escolhidos pelo PS nenhum se distingue pela relação com o mundo das empresas, onde é necessário viver no colete-de-forças imposto pelo Estado e pelos obstáculos criados pelas políticas públicas à produtividade e ao sucesso.  

Em seguida é preciso reconhecer que se esbarra na avaliação técnica da proposta, porque esta enferma de três problemas: um excessivo optimismo, inconsistências internas e lacunas. Quanto ao optimismo, prevê-se que a economia cresça quase mais 1 ponto percentual que o cenário-base, da Comissão Europeia (CE), e que em 2017 o crescimento seja de 3,1%, o valor mais elevado desde o ano 2000, quase duas décadas antes. Além disso, todas as outras variáveis também são melhores: o desemprego é mais baixo, tal como a inflação, o défice e a dívida públicas. É como se nos quisessem impor a escolha entre ser ricos e saudáveis e pobres e doentes.

O cúmulo do optimismo consiste em prever que um aumento inicial do défice irá produzir tão milagrosos efeitos que, no final e no conjunto do período, teríamos um défice público inferior ao previsto pela CE. É como se nos propusessem uma dieta de comer muito para emagrecer.

Em termo de inconsistências, é extremamente difícil compreender como é que crescendo mais, ainda por cima através de um estímulo da procura interna, iríamos ter uma inflação inferior. Também não se percebe como é uma tão grande expansão do consumo privado iria deixar quase intactas as contas externas, sendo inclusive compatível com a diminuição da dívida externa (em percentagem do PIB). Na verdade espera--se uma maior expansão das exportações, apesar de os estímulos se concentrarem no sector não exportador (restauração e construção), o que parece incongruente.

Do lado das lacunas, falta conhecer as estimativas decisivas sobre o potencial de crescimento da economia e a evolução do hiato do produto (output gap). Para que mais procura se transforme em mais PIB é necessário que aquele potencial tenha aumentado e não se percebe como é que isso irá suceder, se pouquíssimas das medidas propostas se destinam a melhorar a oferta. Por seu turno, conhecer o hiato do produto, a diferença entre o PIB potencial e o PIB efectivo, permite distinguir entre a parte do crescimento que é apenas recuperação do “tempo perdido” e aquela que será a “nova normal”, pois só a segunda é sustentável.

Quanto à medida de redução da TSU dos trabalhadores, que terá como contrapartida uma redução das suas pensões futuras, parece algo tão pouco responsável que deveria ser facultativa.

Para finalizar, confesso a curiosidade em relação a saber o que é que o FMI, a CE, o BCE e o Banco de Portugal pensam deste cenário.

PS. O PS, o PSD e o CDS não podiam arranjar melhor forma de comemorar o 25 de Abril que reinstituir a censura sobre a comunicação social?

Investigador do Nova Finance Center, Nova School of Business and Economics
As opiniões expressas no texto são da exclusiva responsabilidade do autor
Escreve ao sábado


Comer muito e emagrecer


O cenário macroeconómico do PS é demasiado cor-de-rosa para servir de base a um debate genuíno


António Costa entendeu por bem pedir a um conjunto de economistas que desenhassem um cenário macroeconómico, que deveria servir de enquadramento ao programa eleitoral do PS, iniciativa que deveríamos saudar.

Os eleitores ficariam na posse de um documento, que deveria ser analisado em duas etapas. Numa primeira etapa far-se-ia uma análise técnica ou positiva (não confundir com favorável) do documento, em que os resultados e consistência interna seriam avaliados. Em princípio, e dada a qualidade de alguns dos elementos escolhidos pelo PS para a equipa que produziu este texto, esta primeira fase seria relativamente consensual, com algumas discordâncias sobre questões secundárias.

A segunda etapa, de avaliação normativa ou política, é que deveria gerar as maiores divergências, como é natural. É natural esperar que o debate técnico–científico gere um consenso, embora em economia isto seja mais raro que noutras ciências, porque há visões políticas muito diferenciadas e que condicionam e distorcem a própria avaliação técnica.

A primeira observação a fazer é que dos 12 economistas escolhidos pelo PS nenhum se distingue pela relação com o mundo das empresas, onde é necessário viver no colete-de-forças imposto pelo Estado e pelos obstáculos criados pelas políticas públicas à produtividade e ao sucesso.  

Em seguida é preciso reconhecer que se esbarra na avaliação técnica da proposta, porque esta enferma de três problemas: um excessivo optimismo, inconsistências internas e lacunas. Quanto ao optimismo, prevê-se que a economia cresça quase mais 1 ponto percentual que o cenário-base, da Comissão Europeia (CE), e que em 2017 o crescimento seja de 3,1%, o valor mais elevado desde o ano 2000, quase duas décadas antes. Além disso, todas as outras variáveis também são melhores: o desemprego é mais baixo, tal como a inflação, o défice e a dívida públicas. É como se nos quisessem impor a escolha entre ser ricos e saudáveis e pobres e doentes.

O cúmulo do optimismo consiste em prever que um aumento inicial do défice irá produzir tão milagrosos efeitos que, no final e no conjunto do período, teríamos um défice público inferior ao previsto pela CE. É como se nos propusessem uma dieta de comer muito para emagrecer.

Em termo de inconsistências, é extremamente difícil compreender como é que crescendo mais, ainda por cima através de um estímulo da procura interna, iríamos ter uma inflação inferior. Também não se percebe como é uma tão grande expansão do consumo privado iria deixar quase intactas as contas externas, sendo inclusive compatível com a diminuição da dívida externa (em percentagem do PIB). Na verdade espera--se uma maior expansão das exportações, apesar de os estímulos se concentrarem no sector não exportador (restauração e construção), o que parece incongruente.

Do lado das lacunas, falta conhecer as estimativas decisivas sobre o potencial de crescimento da economia e a evolução do hiato do produto (output gap). Para que mais procura se transforme em mais PIB é necessário que aquele potencial tenha aumentado e não se percebe como é que isso irá suceder, se pouquíssimas das medidas propostas se destinam a melhorar a oferta. Por seu turno, conhecer o hiato do produto, a diferença entre o PIB potencial e o PIB efectivo, permite distinguir entre a parte do crescimento que é apenas recuperação do “tempo perdido” e aquela que será a “nova normal”, pois só a segunda é sustentável.

Quanto à medida de redução da TSU dos trabalhadores, que terá como contrapartida uma redução das suas pensões futuras, parece algo tão pouco responsável que deveria ser facultativa.

Para finalizar, confesso a curiosidade em relação a saber o que é que o FMI, a CE, o BCE e o Banco de Portugal pensam deste cenário.

PS. O PS, o PSD e o CDS não podiam arranjar melhor forma de comemorar o 25 de Abril que reinstituir a censura sobre a comunicação social?

Investigador do Nova Finance Center, Nova School of Business and Economics
As opiniões expressas no texto são da exclusiva responsabilidade do autor
Escreve ao sábado