O primeiro mandamento do credo americano anuncia a qualquer um a possibilidade de realizar os seus sonhos, desde que o faça segundo as regras do american way. Se o sonho passa por uma eleição, há que ter consciência da circularidade da crença anterior: qualquer um pode ser eleito, desde que a maioria o eleja… Por esta altura, o leitor atento está prestes a mudar de página. Permita-me solicitar a sua indulgência e tentar a explicação: ao contrário da lógica das eleições no Velho Mundo, em que há uma tendência para eleger dirigentes provenientes de uma determinada elite (universitária, patrimonial, familiar…), nos EUA há uma fortíssima tendência de identificação entre o homem comum e o eleito. Tal pode implicar a eleição de alguém que é “igual” ao homem comum, ao zé-ninguém. Em discurso directo, este fenómeno traduz-se por “vou votar neste candidato porque ele é como eu, nem melhor, nem pior”. O fenómeno deu aos americanos, em tempos não muito longínquos, Bush júnior como presidente. E a força deste fenómeno é o maior obstáculo à eleição de Hillary Clinton como presidente dos EUA.
Para quem já tenha beneficiado da proximidade numa aparição pública de Hillary, seja numa negociação bilateral, numa reunião multilateral, numa conferência de imprensa ou numa simples palestra, há um elemento que torna evidente desde o primeiro minuto: o profissionalismo. Há a experiência, há a inteligência, há a dedicação à função, mas a unir tudo isto há um enorme profissionalismo. Tal pode passar por ouvir, em sucessão, duas dúzias de políticos europeus caprichosos e convencidos da sua absoluta (e inexistente) importância e ser capaz, em separado e em colectivo, de lhes afagar o ego e conseguir navegar por entre os escolhos das divergências europeias, dando a todos a convicção de que participaram activamente na tomada de decisão. Tal pode passar por tratar pelo nome próprio uma dezena de jornalistas e responder com graça a perguntas acutilantes, sendo capaz de incluir na resposta elementos de diferenciação pessoal relativas a peças escritas por cada um deles. E as perguntas não são ensaiadas nem a ordem das mesmas, os jornalistas não são “pés de microfone”, como sói, acontecer na Lusitânia, e garanto-vos que Hillary bate aos pontos em naturalidade a sua antecessora como secretária de Estado, Condoleezza Rice, igualmente inteligente, mas extremamente rígida e formatada.
Mas tudo isto não chega para ganhar as eleições presidenciais nos EUA. Não chega em 2016 como não chegou em 2008. Hillary irá tentar federar várias “minorias” em crescimento (mulheres, hispânicos, afro-americanos, LGBT, ambientalistas, “liberais” dentro dos democratas), como fez em 2008 com as primárias democratas, mas terá de conseguir convencer o americano comum de que é… uma pessoa comum.
Hillary lançou-se na campanha com o sério propósito de não repetir os erros de 2008. Está prometido um esforço em busca da empatia com o cidadão comum, um conjunto de aparições em vilarejos onde possa provar que faz o que as pessoas normais fazem e que está disponível para as ouvir com atenção e carinho. A Hillary avó vai ter de fazer muito baby kissing.
Dada a importância dos EUA para o futuro de uma Europa enredada nas suas próprias contradições, indecisões e insuficiências, nós, europeus, deveríamos ter direito de voto nas eleições presidenciais americanas. E se as presidenciais se decidissem na Europa, Hillary Clinton seria eleita por uma larga maioria. E Hillary, como 45.a presidente dos EUA, seria uma muito boa notícia para o Velho Continente. E, já agora, para o mundo.
Escreve à sexta-feira