Membro da direcção socialista e um dos homens de confiança de António José Seguro, Eurico Brilhante Dias falou com o i sobre um Orçamento do Estado que acredita estar condenado à partida. E em dois sentidos: condenado pelo Tribunal Constitucional e pelo conteúdo que apresenta – “muito muito mau”, diz. O caminho das eleições antecipadas é apresentado como inevitável, ainda mais quando se fala num programa cautelar.
Este Orçamento aposta mais nos cortes na despesa (86% do esforço) do que no aumento da receita, onde até houve alívio no IRC. Não merece o benefício da dúvida do PS?
Quando o governo fala em corte na despesa, o que está a cortar são rendimentos a funcionários públicos e pensionistas. É uma redução significativa de rendimento que produz efeitos agravados na procura interna. É uma forma muito preguiçosa de fazer uma verdadeira reforma do Estado, porque o Estado não se torna mais eficaz nem mais eficiente. Limita-se a cortar direitos.
É possível fazer uma redução significativa da despesa sem tocar na maior fatia, os encargos com salários e prestações sociais?
O PS tem o mesmo discurso desde 2011: associar crescimento e consolidação orçamental. Ainda em Julho, por altura do diálogo interpartidário promovido pelo Presidente da República, definimos um objectivo claro na despesa corrente primária: colocá-la em torno dos 40% do PIB a médio prazo. Para isso o PS propôs um faseamento diferente da consolidação, uma protecção dos rendimentos nominais e dos sinais de recuperação da economia. O ajustamento seria mais suave.
O PS tem insistido nesse ponto, mas a flexibilidade da troika é igual a zero.
A nossa meta de 40% é possível com as perspectivas de crescimento económico que temos, mas isso obrigará a não acrescentar austeridade e, ao mesmo tempo, ter um perfil de despesa pública do produto em que os pensionistas e funcionários públicos mantenham os salários.
Mas é possível com as metas actuais?
O que propomos não é compaginável com ter 4% do PIB em 2014. Mas o que tem acontecido até hoje é que o que é impossível em Outubro ou Novembro é possível a partir de Junho ou Julho. É preferível e mais credível ter uma meta orçamental que se possa cumprir num ano a fixarmos insistentemente objectivos orçamentais que não são atingidos e levam a que o governo rectifique repetidamente orçamentos. Cabe às instituições nacionais definirem o que acham melhor para o seu país. E este ano a discussão da meta do défice foi fortemente contaminada pelo próprio governo.
Porquê?
É óbvio! Ainda não começámos a discutir o Orçamento mas hoje, na sociedade portuguesa, todos dizem que a meta de 4% não será atingida. Essa discussão foi contaminada pela crise política de Julho. A troika não entrou em Portugal para a oitava e nona avaliações com vontade de flexibilizar coisa alguma. Não ia dar um prémio a um governo que não cumpre objectivos e é ele mesmo um foco de instabilidade política.
A sétima avaliação foi a primeira em que houve braço-de-ferro por causa das metas, com a troika a mostrar-se irredutível, e foi antes dessa crise.
A troika mostra-se sempre flexível tarde. Mas em bom rigor continua muito centrada num trabalho com um governo que tem uma determinada agenda ideológica. A troika continua a insistir na flexibilização das leis laborais. O processo negocial é duro e exige habilidade e criatividade. O governo, em muitas circunstâncias, não ajudou a defender aquele que seria o melhor caminho de ajustamento, por isso é responsável pelas medidas adoptadas.
Qual o papel do PS se continua a pôr-se de fora das grandes reformas, como a reforma do IRC?
O PS não se põe à parte em matérias que vão além de uma legislatura, como a discussão do próximo quadro comunitário ou a estabilidade da legislação do IRC. Eu trabalhei ligado ao investimento estrangeiro, na AICEP, e sei que é mais importante para a maioria dos investidores ter um quadro de norma mais ou menos estável ao longo do tempo do que ter reduções substantivas da taxa. Continuamos a fazer as nossas propostas no parlamento.
A maioria viabilizou uma recentemente.
Sim, mas o problema é que sempre que desce à especialidade… também tivemos duas aprovadas em Junho e estamos até hoje à espera. Já chegámos a ter uma situação caricata em que, no momento de votar as propostas do PS, a comissão de Orçamento e Finanças ficou sem quórum de repente. Há falta de vontade da maioria, claramente.
No entanto, o PS já deu resposta ao governo, que quer um acordo na reforma do IRC?
Estaremos disponíveis para discutir a proposta do governo. Agora, cuidado. O PS entende que uma reforma neste quadro do IRC é importante, mas reduzir carga fiscal hoje sobre os rendimentos do capital quando os portugueses mantêm a sobretaxa do IRS, o IVA da restauração elevado, menos pensões e salários? Mesmo para empresas que não criam postos de trabalho e que não exportam?
Há condições para baixar o IRS?
Perante o quadro de 4%, dificilmente. Aplicámos uma receita de antecipação de medidas para 2012, cortámos meio subsídio de Natal em 2011 e isso gerou uma espiral e um conjunto de expectativas que levaram ao aumento do desemprego e de falências.
Mas o PS pode comprometer-se com uma baixa do IRS a médio prazo?
Temos de ser parcos em promessas. A expectativa que temos é que neste momento seria possível fazer outra política, como baixar o IVA da restauração, e assumimos o compromisso de que, mesmo que o corte retroactivo das pensões seja constitucional, sejam repostos esses valores. Assumir hoje para o futuro uma baixa generalizada de impostos é um compromisso que ninguém no seu juízo perfeito pode fazer. Sobretudo sem saber em que condições um novo governo do PS receberá o país.
O PS vai avançar com propostas de alteração ao Orçamento? Em que matérias?
Ainda não alinhámos o conjunto de eventuais propostas. Estamos a fazer uma avaliação interna, mas já com uma convicção: este Orçamento não é melhorável. Tem um conjunto de propostas de tal forma gravoso que não temos a expectativa de que uma aproximação do PS possa melhorar um Orçamento que é muito muito mau.
E vai escapar ao Tribunal Constitucional (TC)?
Não me parece.
O PS vai pedir a fiscalização sucessiva?
As normas estão em apreciação. Mas pediremos a fiscalização sucessiva, se o Presidente da República não pedir a preventiva, da convergência de pensões. E também da questão das 40 horas. Há outras normas que merecerão uma apreciação mais cuidada.
O que vêem como maior risco? Os cortes salariais na função pública?
Isso é uma clara provocação ao TC. O governo, pelo terceiro ano consecutivo, faz uma discriminação dos funcionários públicos quando já conhece a jurisprudência do Constitucional.
O Presidente devia agir de forma preventiva?
Era útil que Portugal tivesse um Orçamento a 1 de Janeiro de 2012 sem dúvidas constitucionais. Até porque este ano tivemos um facto político novo, que foi o motor para que o PS reapresentasse no parlamento um pedido para a alteração do calendário para aprovação do OE: pela primeira vez tivemos membros do próprio governo a ser agentes de dúvida constitucional da proposta.
Como?
Porque apesar de o governo vir dizer que fez o possível, não elimina os riscos.
Porque é que o Presidente não pede a fiscalização preventiva?
Não me parece que tenha fechado a questão, até porque os trabalhos parlamentares ainda nem começaram. É verdade que essa tem sido a leitura, agora o Presidente avaliará seguramente a circunstância da sua decisão, sabendo que adiar uma decisão para Fevereiro ou Março é torná-la mais próxima da negociação do programa cautelar.
O que já foi admitido pelo governo, mas como um “seguro” para o país.
Andam a brincar com as palavras. A tentar convencer a generalidade dos portugueses de que um programa cautelar não é um segundo programa. Mesmo que seja só na base de uma linha de crédito, o país terá condicionalidades acrescidas. É uma questão de léxico. A verdade é que Portugal não terá um regresso pleno aos mercados, como constava no Memorando assinado em 2011.
O PS não sabia de nada?
Não sabia nem sabe. E este é o nível de informação básica para um partido da oposição. Não é razoável.
E há condições para se sentarem à mesa com o governo?
Seria útil que o governo, se houver segundo programa, assumisse responsabilidades e envolvesse os portugueses nessa negociação. E não sei como será possível fazer isso sem eleições.
Mas se o PS for chamado à mesa negocial vai dizer que quer eleições?
Essa continua a ser a nossa posição. Não é por não o dizermos todos os dias que mudámos de opinião. Devíamos ter tido eleições em Junho. O 7.o exame regular é a verdadeira avaliação do falhanço do programa. Mas, do ponto de vista formal, o programa de ajustamento claudicou no 5.o exame regular com consequências no 7.o O governo, que aplicou a austeridade em excesso, objectivamente tinha perdido credibilidade e confiança. Foi o que estava na carta de demissão de Vítor Gaspar. O Presidente disse que estes dois partidos sozinhos não são capazes. As eleições envolviam as pessoas na saída do programa e renovavam a credibilidade.
O Presidente está a proteger esta maioria?
Não tenho essa visão clubista do Presidente. Acho que terá proposto aquela que, no seu critério, seria a melhor solução para o país.
O acordo entre CDU e SPD na Alemanha não é motivo de reflexão para PSD e PS, cada vez mais afastados?
O PS não se afastou coisa nenhuma.
Quem apresenta uma moção de censura corta.
Mas a história não começa em Março de 2013. Este governo tem uma maioria absoluta e teve a disponibilidade do PS, como nunca. Acompanhámos com bastante empenho a discussão na especialidade do Orçamento de 2012. O governo insistentemente recusou, até ao momento em que ele próprio fez um acordo com a troika sem envolver o PS: um aumento de impostos e um corte de 4 mil milhões. E agora quer que o PS vá subscrever? Isso é que não.
Há condições para um governo de bloco central?
Não sei porquê bloco central. Temos pontos de convergência à nossa esquerda.
Muito pontuais.
Nas questões europeias divergimos…
São as dominantes hoje em dia.
No quadro de políticas sociais temos pontos de grande convergência. Agora o PS tem um objectivo que é a maioria absoluta e falar noutros cenários é sempre negativo. O país precisa de uma grande maioria alargada para enfrentar a difícil situação em que está.