Stop ACTA. Milhares saem hoje à rua contra “charada de censura”


Há muitas pessoas, entre elas políticos, com a sensação de que lhes foi atirada SOPA para os olhos. Isto porque, no início do ano, enquanto os cibernautas do mundo inteiro protestavam contra dois projectos dos EUA de combate à pirataria (PIPA e SOPA), 39 países avançavam com as negociações “secretas” do ACTA (Acordo Comercial Anticontrafacção),…


Há muitas pessoas, entre elas políticos, com a sensação de que lhes foi atirada SOPA para os olhos. Isto porque, no início do ano, enquanto os cibernautas do mundo inteiro protestavam contra dois projectos dos EUA de combate à pirataria (PIPA e SOPA), 39 países avançavam com as negociações “secretas” do ACTA (Acordo Comercial Anticontrafacção), projecto legislativo de “controlo à distribuição online” a ser negociado entre a União Europeia, os Estados Unidos, o Japão, o Canadá e outros nove países.

Entre essas pessoas está Darrell Issa, congressista dos EUA que no último Fórum Económico Mundial de Davos sublinhou que o ACTA “é mais perigoso que o SOPA, porque ata as mãos dos órgãos executivos nacionais”.

Este é apenas um dos pontos da polémica em torno do acordo transnacional, que hoje é contestado nas ruas por milhares de pessoas em 130 cidades de 30 dos países em negociações. Lisboa, Porto, Braga, Coimbra e Faro serão os palcos portugueses dessas manifestações.

Os críticos dizem que o ACTA é “anti-democrático” porque não foi trazido a debate com a sociedade civil e porque a assinatura do documento – primeiro passo para a ratificação – aconteceu pela pena de pessoas “não democraticamente eleitas” a 26 de Janeiro em Tóquio. Vinte e dois dos 27 estados-membros da UE assinaram o ACTA nesse dia, incluindo Portugal. E a polémica foi tal que o eurodeputado encarregue de redigir o relatório sobre o tratado no Parlamento Europeu (PE) se demitiu horas depois.

“Denuncio da forma mais forte possível a falta de transparência no processo” e a “exclusão” de vários pedidos de informação no PE, disse o socialista francês Kared Arif, alertando para as “manobras sem precedentes da direita no PE para impor um calendário acelerado e conseguir que o acordo seja aprovado antes que o público fique alerta”.

Porquê o secretismo? O projecto inicialmente apresentado para “harmonizar procedimentos no que toca a direitos de autor”, como aponta a Comissão Europeia em sua defesa, ultrapassa essa fronteira, dizem os Stop ACTA. Isto porque abrange não só a internet, mas também áreas como o comércio, o turismo, a agricultura e a saúde – o que, na prática, significa que até sementes para cultivo ou medicamentos genéricos poderão ser banidos se o acordo entrar em vigor.

“É preciso calcular os efeitos desta lei”, reagiu ao i um dos organizadores do protesto de hoje no Porto, que prefere não dar a cara. “Estamos a pedir às pessoas que participem com máscaras [como noutros países] porque por trás delas não está uma pessoa mas uma ideia. Não queremos ser heróis, queremos passar esta ideia.”

A ideia é que o acordo, se aprovado, abre o precedente de “censura na internet”, representando um claro “ataque à privacidade e à livre troca de informação”. “Estamos perante um teatro bastante confuso. Falam num acordo anti-falsificação, mas o que o ACTA prevê é o controlo de tudo o que acontece na internet”, explica o organizador do protesto na Invicta.

O acordo autoriza os fornecedores de serviços de internet (Internet Service Providers, ISP) a monitorizar toda e qualquer actividade cibernética, e até o envio de um artigo de jornal ou de um vídeo caseiro com uma música com direitos de autor poderá ser sancionado. Isto porque, da forma como o documento está concebido, os ISP podem denunciar qualquer utilizador que “possa estar a violar direitos de autor, permitindo o seu bloqueio sem recurso a tribunais”.

Uma das pessoas que mais têm denunciado este “ataque à liberdade de expressão” é o eurodeputado Rui Tavares, que há algumas semanas explicava que, em 2010, apresentou “uma proposta de resolução no PE denunciando o ACTA”, documento que foi aprovado “porque houve muita abstenção”. Mas isso “não chega”.

Posição dos artistas Os estudos levados a cabo desde 2008 mostram precisamente que a maioria dos “piratas” sob ataque do ACTA são os principais consumidores de filmes e música no mercado legal. Mas esses, dizia o site alemão Telepolis o ano passado, têm sido ocultados do público porque os resultados “não agradam a quem os encomenda”.

“Penso que a pirataria ajuda a divulgar o trabalho dos artistas, é esta a minha opinião”, diz ao i Joana Machado, cantora de jazz portuguesa que diz ser ainda “ignorante quanto ao documento”.

Tozé Brito, membro da direcção da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), compreende os protestos contra “a forma como o processo está a ser conduzido”, ainda que sublinhe que “as pessoas que o assinaram deviam estar conscientes do que assinavam e são responsáveis”, pelo que não é “ninguém para as questionar”. A isto o cantor acrescenta que “a SPA é a favor de tudo o que são leis antipirataria, até porque a lei” está do seu lado.

O problema, apontam vários especialistas, é que o ACTA é mais que um conjunto de leis antipirataria. Para já, a exigência dos Stop ACTA é que, antes de o PE o debater e votar (eventos marcados para Maio e Junho), a população possa ter um voto na matéria. Como explica ao i o organizador do protesto do Porto, “o que queremos é que, como na Polónia, os nossos governantes tenham a mesma atitude de congelamento”. Até lá, muitos continuarão a citar Kared Arif, que diz não querer “fazer parte desta charada”.