António Eloy. “Se houver um acidente nuclear em Almaraz, é um salve-se quem puder”

António Eloy. “Se houver um acidente nuclear em Almaraz, é um salve-se quem puder”


António Eloy fala na iminência de um acidente nuclear e garante que esse é um cenário para o qual Portugal não está preparado. Por isso, o dirigente português do Movimento Ibérico Antinuclear não descansa até ver a central de Almaraz encerrada


Começa por apresentar o grupo que ajudou a fundar. O MIA – Movimento Ibérico Antinuclear é composto por organizações ambientalistas, partidos políticos e ativistas históricos. “Não é preciso dizer em que categoria me insiro, pois não?” A pergunta é retórica, e a resposta mais que óbvia. “Enterrei-me nas areias de Ferrel no primeiro movimento antinuclear do país, estive na luta para encerrar centrais nucleares na Galiza e fiz parte dos movimentos contra as minerações.” O currículo é vasto mas, hoje em dia, o foco está virado para o encerramento da central nuclear de Almaraz. Garante que não será a sua última batalha, mas não vê outro fim que não a vitória.

Como chegamos a um ponto de quase iminência de prolongamento da central?

Não havia necessidade de termos chegado até aqui. Da parte espanhola não houve nenhuma atitude de que não se estivesse à espera e é óbvio que as empresas proprietárias de Almaraz têm um interesse em continuar a produzir e a faturar, até porque Almaraz é uma máquina de fabricar dinheiro, ainda que o seu trabalho seja completamente desnecessário para a produção elétrica espanhola.

O que falhou?

Vejamos. Em janeiro de 2016 já nós [Movimento Ibérico Antinuclear] fizemos um pedido informal para sermos recebido pelo ministro do Ambiente e demos conta à comunicação social da construção do aterro.

Não vos quiseram ouvir?

O ministro não nos recebeu na altura e não reagiu às manifestações que se foram fazendo. O ministro não nos ligou nenhuma, nem mesmo quando, em setembro, dissemos que o estudo de impacto ambiental estava já na fase final.

Houve desleixo por parte do governo?

O ministro teve muita desatenção e desvalorizou a gravidade da situação. O Japão, por exemplo, tem 42 das 54 centrais nucleares fechadas, e dez estão fechadas para sempre porque têm mais de 40 anos. Almaraz atinge esse limite de 40 anos em 2020. A Alemanha – outro exemplo – vai fechar o parque nuclear mesmo antes dos 40 anos e nós estamos na iminência de prolongar a vida desta central.

Esta inação do ministro era suficiente para uma demissão?

Não me cabe a mim pedir a demissão do ministro. O que acho é que é mais provável que o ministro português do Ambiente seja demitido do que a Comissão Europeia dê algum parecer sobre a queixa em tempo útil.

Não é um processo rápido?

Vai levar mais de três meses até que a queixa seja processada, mais seis meses a analisar a queixa e mais um ano até dar um parecer final. Se houver uma atitude expedita por parte do primeiro-ministro, estará no lugar um outro ministro com mais capacidade política. Daqui a dois anos não vejo este ministro em funções nem a central aberta. O que vejo é a central fechada e o ministro a voltar para as suas atividades aquíferas no Porto.

Em junho do ano passado, o ministro disse “não estamos a fazer nada no sentido de pressionar para o encerramento de Almaraz”. O discurso, agora, é bem diferente.

Não é assim tão diferente. O ministro não queria ir a esta última reunião com o governo espanhol, foi forçado pelos grupos ecologistas a estar presente. E, na verdade, não foi lá fazer nada, tal como prevíamos.

Não há noção da urgência?

Este é um tema que tem de estar na agenda já. É em 2017 que vai ser dada a licença – ou não – para a continuação do funcionamento de Almaraz. Quando é que ele vai querer falar sobre o assunto? Depois de ser dada a licença?

Que consequência prática pode ter a apresentação da queixa contra Espanha?

Não vai adiar o licenciamento, até porque a obra está a ser realizada. A questão que deve ser colocada, o que o MIA já fez no Parlamento Europeu, prende-se com a articulação do ATI (armazém temporário individual) e a continuação do funcionamento da central. O ATI é uma preocupação porque não está a ser construído pelas razões certas, está apenas a prolongar a vida da central. 

Que papel tem tido o MIA neste processo?

O mais recente talvez seja o recurso judicial apresentado junto dos tribunais espanhóis com base no estado atual do aterro, algo que o estudo do impacto ambiental não observou. O aterro tem capacidade para armazenar resíduos até 2020; não é possível, por isso, prolongar a vida da central.

Essas falhas na forma de desenvolver o estudo de impacto ambiental podem ser suficientes para parar o processo?

Poderão bloquear a construção do aterro, o que levará ao bloqueio deste prolongamento da vida de Almaraz.

Portugal está ou não preparado para reagir a um acidente nuclear?

Não está minimamente preparado. Em caso de acidente nuclear grave, estamos todos indefesos. Quando aconteceu o acidente em Chernobyl, foi logo evacuado um perímetro de 30 km e, mais tarde, de 75 km, e mesmo assim houve milhares de mortos. Imagine em Portugal, onde não existe um plano de emergência.

Mas o governo já veio a público garantir que existe.

Então que o publiquem.

Como explica que o governo tenha planos de emergência mas que a proteção civil e os bombeiros não tenham conhecimento sobre isso?

Eu não o conheço, a comunicação social não o conhece e nem os bombeiros e a Proteção Civil conhecem.

Segundo os documentos a que o i teve acesso, o cenário trabalhado pela Proteção Civil em relação a Almaraz considera um acidente com características idênticas ao de Chernobyl. Projeta-se que a explosão dos reatores atingiria, ao fim de um dia, os distritos de Castelo Branco, Portalegre e Guarda, e, ao fim de dois dias, a generalidade do centro e sul do país. Esses locais estão devidamente avisados e preparados para essa eventualidade?

(silêncio) Não preciso de dizer mais nada, pois não? A nuvem radioativa de Chernobyl chegou à Suécia, ao sul de França, e até em Portugal foram verificadas perturbações nas medições radiológicas. 

Qual seria o raio de ação de Almaraz?

Só podemos imaginar. Depende dos ventos e, além disso, ainda temos o Tejo.

Mas o secretário de Estado garante que o rio Tejo não corre perigo porque as partículas não chegam até território português. É verdade?

A atividade de Fukushima chegou aos EUA e até aos Açores. É verdade que existem barragens entre Portugal e Espanha, mas as barragens não podem conter toda a água sem fazer descargas, não contando, além disso, com as possíveis fugas. Estou certo de que iriam fechar as barragens, mas não podem fazer isso durante muito tempo. 

Na Avaliação Nacional de Riscos, a Proteção Civil considera que existe um grau de probabilidade “baixo” de acontecer um acidente na central de Almaraz idêntico ao de Chernobyl. Podemos estar descansados?

Se tivesse um risco alto, não estaríamos aqui sentados a falar sobre isto. As hipóteses de acontecer um acidente do género é de um por década. Houve o de Chernobyl, o de Fukushima, um outro de intensidade semelhante em Harrisburg, nos EUA, e outro silenciado na antiga União Soviética que não entra nos registos. Temos quatro ou cinco décadas de centrais nucleares e, tal como se fala dos ciclos de 200 ou 300 anos entre terramotos, entramos na década crítica do nuclear. O próximo está iminente.

Pode ser em Almaraz?

Pode, até porque não existem centrais novas. O nuclear é uma energia obsoleta que, com as recentes aspirações da humanidade, tem vindo a ser abandonado. Mas mesmo quando as hipóteses são ínfimas temos de estudar todas as variáveis, como a idade dos reatores, acontecimentos imprevisíveis como um sismo ou um tsunami, e temos ainda os comportamentos. Dizem que Chernobyl aconteceu porque um funcionário estava bêbado. Temos de testar o grau de alcoolemia do vigilante de Almaraz, ou saber se está bem psicologicamente. 

Chegou mesmo a defender a distribuição de pastilhas de iodo pela população mais próxima de Almaraz. Qual é o efeito?

Saturam a tiroide, o maior órgão recetor de radioatividade. Funciona como qualquer vacina, ou seja, inserem no organismo o elemento que o corpo tem de combater. Na Bélgica, por exemplo, toda a gente sabe onde tem as pastilhas guardadas e nem toda a população vive no raio de 30 km de uma central nuclear. Os alemães não as têm no bolso, como os belgas, mas sabem onde comprar no caso de acidente. No caso português, as pastilhas deviam estar disponíveis nas farmácias e centros de saúde da fronteira, e a verdade é que, nessas zonas, ninguém sabe sequer o que são pastilhas de iodo.

Mas nessas zonas, os bombeiros e a Proteção Civil estão mais consciencializados sobre o que fazer?

Estão. Vamos lá a ver, as centrais nucleares têm planos de emergência, mas infelizmente tem havido desleixo na aplicação desses mesmos planos. Mais: como é possível que numa central nuclear haja beatas no chão, como nos revelou o presidente do Movimento Ibérico Antinuclear? Atenção, eu já estive várias vezes em Almaraz e não pude deixar de reparar que em cada uma das entradas da cidade há um mapa com duas setas a indicar as saídas de evacuação. Se houver um acidente nuclear, é um salve-se quem puder.

E ainda vamos a tempo de evitar esse cenário?

Vamos. A licença ainda não foi dada e vamos fazer tudo para que isso não aconteça e que Almaraz encerre definitivamente.