O governo, o PCP e o BE conseguiram chegar a um acordo “de princípio” que prevê a integração de uma norma orçamental que permitirá que os trabalhadores da administração pública em situação precária passem para os quadros. Ainda que, para já, não se saiba quantas pessoas serão abrangidas pela medida já numa primeira fase – até porque será gradual –, é conhecido que os setores que mais deverão sentir a mudança são a educação e as autarquias, já que é onde existe uma maior concentração de trabalho precário.
A conclusão é avançada ao i por Eugénio Rosa, que sublinha que “há mais de 100 mil trabalhadores no Estado em situação precária, o que é absolutamente insustentável”. O economista não esconde que há setores que sentem mais o peso da precariedade: “Falamos sobretudo da educação, das autarquias e, em menor número, da saúde, onde também há vários casos.”
Com uma próxima reunião marcada para esta semana, o governo terá agora de ver quantas pessoas serão para já abrangidas e como será aplicada a nova medida.
A verdade é que, no debate orçamental da semana passada, o Bloco de Esquerda insistiu que fosse divulgado com toda a urgência o relatório com os números relativos à precariedade no Estado, que deveria ter sido entregue até ao final de outubro. Deverá ser com base nos resultados deste levantamento que se decidirá quantas pessoas serão abrangidas quando a alteração começar a ser aplicada, já em 2017.
Já sobre o dinheiro que deverá ser gasto com a passagem destes funcionários para os quadros, muitos defendem que, contas feitas, o Estado até poderá conseguir poupar algum dinheiro. Como? De acordo com o deputado bloquista José Soeiro, por exemplo, nos casos em que se deixa de “pagar a intermediação paga a empresas de trabalho temporário pelo ‘aluguer’ de trabalhadores”.
Catarina Martins defende que “há muitos anos, em Portugal, tudo o que temos é contratação de mais pessoas com contratos precários e há agora um acordo de princípio para transformar contratos precários em contratos efetivos. Essa é uma mudança muito significativa”, sem esconder que “para o Bloco de Esquerda, estas pessoas têm de passar a ter contratos efetivos”.
Para a bloquista, a fórmula que tem estado a ser aplicada nem sequer carece de discussão: “Quando dois trabalhadores, um com contrato efetivo e outro com contrato precário, trabalham no mesmo posto, o trabalhador com contrato precário recebe menos três salários e meio por ano, em média, do que o trabalhador efetivo, mesmo que esteja nas mesmas funções.”
Números que não são de hoje e que há muito geram contestação. De acordo com Eugénio Rosa, há no Estado pessoas “a trabalhar há 10 ou 15 anos em prestação de serviços”.
Mudanças nos recibos verdes João Camargo, da Associação Precários Inflexíveis, esclareceu desde muito cedo que o caminho que tem sido feito no combate à precariedade é muito importante, mas não deixa de alertar para alguns riscos, nomeadamente no que diz respeito à decisão de baixar a carga fiscal dos trabalhadores independentes. “Desde que haja um encargo para as empresas contratantes, não acredito que baixar a carga fiscal aumente o recurso a este regime. Mas a questão é que tem de existir esta obrigação para as empresas”, começa por esclarecer.
Sem direito a subsídios, licença de maternidade ou até indemnização, mas muitas vezes com as mesmas obrigações que têm outros colegas com vínculo formal com a empresa, os trabalhadores independentes contam agora com uma possibilidade de virem a pagar menos. Ao i, o economista Eugénio Rosa explica que “um trabalhador a recibos verdes tem de pagar 29,6% para a Segurança Social porque suporta também a parte da empresa, mais 25% para o IRS e, muitas vezes, ainda IVA”. O que, para João Camargo, torna imperativo lembrar que “falamos de taxas que são uma aberração”.
Para Eugénio Rosa, este regime já fez com que muitos trabalhadores chegassem a um ponto de rutura que dificilmente tem retorno. “É uma grande carga fiscal e muitas vezes não corresponde ao que as pessoas ganham, porque é calculado com base em valores de anos anteriores. Isto faz com que muitos atrasem prestações e há consequências que vão desde juros muito elevados a processos que podem levar à prisão”, explica.
Ainda que não veja com bons olhos tudo o que tem estado em cima da mesa das negociações, esclarece que mudar a fórmula de cálculo já é um ponto importante. “Até agora, a Segurança Social fazia uma média com base no ano anterior e era a partir desse valor que encaixava o trabalhador independente num escalão. Agora, os descontos passam a ser feitos sobre a média recebida nos últimos três meses. O que é muito melhor”, esclarece, sublinhando ainda que se somam situações precárias em Portugal.
De acordo com o INE, em 2014 existiam em Portugal cerca de 130 mil pessoas a recibos verdes. Mas a Associação Precários Inflexíveis garante que as situações precárias se multiplicam e que o número de precários chega a atingir um milhão.