O físico britânico Stephen Hawking declarou que os seres humanos devem evitar fazer contacto com seres extraterrestres.
Numa série de documentários exibida em maio no Discovery Channel, Hawking diz que é “perfeitamente racional” acreditar que pode existir vida fora da Terra, mas adverte que os alienígenas podem simplesmente roubar os recursos do planeta e ir embora. “Se os alienígenas nos visitassem, as consequências seriam semelhantes às (que aconteceram) quando (Cristóvão) Colombo desembarcou na América, algo que não acabou bem para os nativos”, afirma. “Nós só temos de olhar para nós mesmos para ver como vida inteligente pode evoluir para alguma coisa que não gostaríamos de encontrar.”
As declarações são muito interessantes do ponto de vista prático, mas também do ponto de vista filosófico. Durante muito tempo tendemos a pensar que a evolução tecnológica implicava igual evolução do ponto de vista dos valores. O progresso era sempre um movimento que levava consigo a erradicação da ignorância, do preconceito e de práticas cruéis e atrasadas. De alguma forma assim foi: o Renascimento coloca a humanidade no centro e retira Deus e a religião do controlo ditatorial do que é pensável. Ao fazê-lo, deita fora as fogueiras da Inquisição. A ideologia do iluminismo prega essa convicção: todo o progresso é bom e pode-nos elevar até a um patamar melhor para a humanidade.
Se os alienígenas nos visitassem, as consequências seriam semelhantes às (que aconteceram) quando (Cristóvão) Colombo desembarcou na América, algo que não acabou bem para os nativos
Há uma longa sucessão de contágios da forma de pensar desses séculos em todo o pensamento, inclusive entre os revolucionários. No seu romance “A Nebulosa de Andrómeda”, o escritor soviético Ivan Fremov recriava uma civilização avançada, no espaço, que naturalmente estava social e politicamente mais avançada. O caso mais espantoso dessa crença era uma corrente trotskista com origem argentina, os posadistas, seguidores de Homero Rómulo Cristalli Frasnelli, nome de guerra J. Posadas, que defendiam apelar a civilizações alienígenas para ajudarem a fazer a revolução no planeta Terra.
Essa crença tornou-se tão visível que em manifestações de jovens peronistas gritava-se: “Não são marcianos nem luzes às cores, são posadistas em discos voadores.” Posadas defendia que a consciência social dos “camaradas de outros mundos” tinha de ter amadurecido ao ponto de terem conseguido desenvolver uma sociedade igualitária, o que lhes tinha permitido criar hipertecnologias espaciais. Se tinham conseguido chegar com as suas naves espaciais à Terra é porque no seu planeta existia uma sociedade socialista. Posadas defendia que era legítimo pedir ajuda a essas civilizações alienígenas para extirpar o capitalismo da Terra. Sobre tudo isso publicou um panfleto denominado “Os discos voadores, o processo da matéria e da energia, a ciência da luta de classes revolucionária e o futuro da humanidade” – uma posição contrária à expressa no romance dos irmãos Boris e Arkadi Strugatsky , “É Difícil Ser Deus”, em que uma civilização socialista estuda um planeta que está na Idade Média, usando historiadores infiltrados nessa sociedade, mas com a ordem de não influenciarem os acontecimentos.
Mas este tipo de convicções não se limitou a coisas que nos podem parecer caricaturáveis: o próprio Lenine, dirigente da revolução soviética que, para o ano, faz 100 anos, disparou numa célebre entrevista feita pelo escritor H. G. Wells, datada de outubro de 1920: “Se conseguirmos estabelecer comunicações interplanetárias, todos os nossos conceitos filosóficos, morais e sociais terão de ser revistos. Em tal caso, o potencial técnico, não reconhecendo mais limites, imporia o fim da regra da violência como meio e método do progresso.” É esta mesma questão que se coloca: há um patamar a partir de um desenvolvimento tecnológico que implica um crescimento moral?
O Holocausto demonstrou à saciedade que é possível ouvir quartetos de música clássica, ler filosofia em alemão e matar usando todos os recursos da racionalidade matemática e industrial. O mal não tem de ser infernal e cheirar a enxofre, o diabo está, como defendia Hanna Arendt, na banalidade do mal: simples funcionários cumpridores de ordens que, depois do horário de expediente do massacre, vão afagar os cãezinhos e os filhos. Mas esta situação não se resumiu ao Holocausto: antes e depois dele, as potências coloniais massacraram alegremente os ditos “selvagens”, sem sequer terem nenhum problema de consciência. Aquilo que permite que nós não reajamos da mesma forma a um massacre em Paris ou em Beirute é essa ideia que está incorporada na nossa cabeça que esses humanos não são tão humanos quanto nós: são todos Homo sacer que podem ser mortos sem nenhuma consequência legal nem moral, como são massacrados e bombardeados com mísseis civilizadores em todo o Terceiro Mundo “selvagem”. Seria essa espécie de racismo tão humano que permitiria aos extraterrestres massacrar-nos para explorarem o planeta.