A vitória de Guterres é extraordinária porque Guterres não é nem mulher nem vem de um país de Leste, características que passavam por ser as favoritas nesta eleição para o mais alto cargo das Nações Unidas. É também extraordinária porque não era desejada na União Europeia, onde passou algum tempo da sua carreira política quando foi primeiro-ministro de Portugal. Jean-Claude Juncker, Angela Merkel e vários líderes europeus estavam com a candidatura que ontem se revelou um fiasco, a da comissária europeia Kristalina Georgieva.
O processo era duríssimo, independentemente da entrada em cena à última hora de Georgieva. Apesar de ter criado uma boa imagem internacional no seu cargo de alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Guterres não contava com favores internacionais. Mas a sua perseverança – há anos que andava a preparar-se para isto – fez com que aparecesse nesta eleição como o candidato mais bem preparado. As vitórias consecutivas nos processos de audição fizeram emergir o candidato “excecional”, como disse ontem Marcelo. Obviamente, como também frisou o Presidente, foi decisivo que “ninguém estivesse contra ele”.
A diplomacia portuguesa fez com certeza bem o seu trabalho. A “união nacional” em torno do candidato (ao contrário da terrível imagem demonstrada pela Bulgária, que começou o processo a apoiar uma candidata e acabou a apoiar outra, sem ganhar nada com isso) também ajudou. Mas o grande responsável por ter conseguido alcançar “o emprego mais impossível do mundo”, nas palavras de um jornalista britânico, é inteiramente Guterres.
Há duas características pessoais de Guterres que liquidaram o seu sucesso político interno mas foram decisivas nos últimos quatro anos e serão fundamentais no cargo de secretário-geral das Nações Unidas: gostar de dialogar até à exaustão, procurar consensos até ao fim.
A perseverança de Guterres vai ajudá-lo nos tempos que se avizinham. Ele já é um homem das Nações Unidas e conhece a burocracia da casa. O diálogo vai ser essencial num mundo que, a começar na tragédia dos refugiados da guerra na Síria, não tem respostas humanitárias para dar – até agora. Gerir um mundo perigoso é uma tarefa dura, se não quase impossível. Guterres precisa de muita sorte, porque a perseverança, ele tem.