Especialistas do Bank of America consideram que há 50% de probabilidades de estarmos a viver dentro de uma simulação de computador, como a imaginada no filme “Matrix”.
Segundo o site britânico The Independent, os analistas do Bank of America declararam que havia entre 20% e 50% de hipóteses de o mundo ser uma espécie de simulação de computador. O relatório aconselha os clientes a comportarem-se como nada fosse, mesmo que o mundo seja uma ilusão.
“É concebível, com os avanços em inteligência artificial, realidade virtual e computação, que membros de uma civilização no futuro tivessem decidido correr uma simulação sobre a vida dos seus antepassados”, avança o relatório deste banco.
Como se sabe, esta hipótese filosófica não é nova. De alguma maneira, ela está presente em antecessores menos célebres do que estes analistas do banco norte-americano, como na alegoria da caverna, de Platão, em Descartes ou até em filósofos mais recentes, como Hilary Putnam. Este último analisa, na sua obra “Reason, Truth and History”, a hipótese de um cenário em que cérebros seriam conservados em recipientes, por um cientista louco, e ligados a um supercomputador que os estimularia, fazendo com que eles tivessem sensações como se estivessem a viver fora da caixa em que estão encerrados.
Numa célebre cena do filme “Matrix”, Morpheu vira-se para o protagonista principal, Neo, e diz-lhe: “Estás aqui porque sabes qualquer coisa. Não sabes explicar o que é, mas sentes. Sentiste-o toda a vida. Há qualquer coisa que não funciona neste mundo. Tu não sabes o que é, mas sentiste-o, como um zumbido na cabeça que te está a enlouquecer.” Morpheu oferece a Neo a escolha entre uma pílula vermelha e outra azul, mas vai-o avisando: “Tu és um escravo. Como toda a gente, nasceste num cativeiro, numa prisão que não podes sentir ou tocar. Uma prisão da mente.” A única hipótese de sair desta prisão é ver a Matrix. “Se tomares a pílula azul, a história acaba e acordarás na cama acreditando no que quiseres acreditar; se tomares a pílula vermelha, ficarás no País das Maravilhas e mostrar-te-ei até onde vai a toca do coelho. Lembra-te, tudo o que ofereço é a verdade. Nada mais.”
A receita que o Bank of America, como os seus congéneres, nos propõe é tomarmos a pílula azul. Essa submissão não é vivermos numa simulação de computador, mas aceitarmos um mundo de economia de fantasia em que a circulação de dinheiro especulativo é muitas vezes superior à chamada economia real, que implica a produção de bens e serviços. A simulação e a ilusão não são sonhos e têm a força destrutiva do real. Vivemos num mundo de economia de casino com consequências reais: o poder e a riqueza estão todos concentrados nos muito ricos.
Mas ao contrário do filme, não há nenhuma pílula vermelha: entender a injustiça que vivemos não é a chave automática para a superação dessa situação. Há num filme de animação feito a partir do “Matrix” (“Animatrix”) uma cena em que um corredor se transcende numa prova, batendo com o esforço os seus próprios limites humanos, e nesse momento consegue ver para além da simulação da Matrix, como se esse gesto tivesse criado um rasgão na ilusão e permitido ver para além da simulação. Na nossa sociedade atual, a injustiça é visível para todos, o momento da consciência e da transformação não está na perceção da injustiça, mas na criação de sentido que nos permite fazer uma rutura. Só criando esse sentido é possível pensar para além da Matrix e desenhar uma sociedade que não está nas categorias do pensável pelos donos do Bank of America. Como Neo declara no filme: “Vamos mostrar um mundo sem regras nem controlos, sem fronteiras nem limites. Um mundo em que tudo é possível.”