E tudo o governante reembolsou


Os políticos vivem num mundo em que tudo lhes é pago e, mesmo que o pagamento seja indevido, o assunto fica resolvido com um reembolso


Uma vez, em conversa com um colega holandês, este defendeu que o grande problema dos povos do sul da Europa estava na facilidade com que perdoavam as faltas dos seus governantes. No seu entender, isso derivava da nossa formação católica, que sustenta que a confissão e o arrependimento têm o condão de extinguir os pecados. Dizia-me ele que os povos do norte, que adotam a ética protestante, não perdoam faltas aos seus governantes e que, se algum fosse apanhado em falso, teria a sua carreira política imediatamente terminada. 

Em Portugal, não só se perdoa piamente os pecados cometidos pelos políticos como até se inventou uma nova forma para a sua absolvição integral: os reembolsos. Está um secretário de Estado a receber indevidamente um subsídio de alojamento? O secretário de Estado reembolsa o dinheiro e tudo fica resolvido. Vão três secretários de Estado assistir a jogos de futebol do Euro à boleia de uma empresa privada que está sob a sua tutela? Os secretários de Estado reembolsam a empresa e é como se nada se tivesse passado. Acha o Presidente da República que deve usar um Falcon da Força Aérea para assistir a um jogo de futebol do Euro? Não há problema. O Presidente oferece-se para reembolsar a Força Aérea apenas pelo seu lugar e, neste caso, o primeiro-ministro convenientemente recusa que a Força Aérea receba o reembolso. A cooperação institucional faz maravilhas!

Não há dúvida de que os nossos políticos vivem num mundo maravilhoso em que tudo lhes é pago e, mesmo que o pagamento seja indevido, o assunto fica resolvido com um simples reembolso que até pode nunca chegar a ocorrer. Já os cidadãos comuns vivem noutra dimensão. A esses, os reembolsos do IRS que lhes são devidos chegam com um extraordinário atraso. Esses têm agora de pagar um IMI aumentado por fatores como a exposição solar e a vista, achando o governo que criou a medida, os partidos que o sustentam e o Presidente que a promulgou que se trata de justiça fiscal. Há, de facto, muita justiça nesta relação entre os políticos e os cidadãos portugueses. E também muita falta de vergonha.

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à terça-feira 


E tudo o governante reembolsou


Os políticos vivem num mundo em que tudo lhes é pago e, mesmo que o pagamento seja indevido, o assunto fica resolvido com um reembolso


Uma vez, em conversa com um colega holandês, este defendeu que o grande problema dos povos do sul da Europa estava na facilidade com que perdoavam as faltas dos seus governantes. No seu entender, isso derivava da nossa formação católica, que sustenta que a confissão e o arrependimento têm o condão de extinguir os pecados. Dizia-me ele que os povos do norte, que adotam a ética protestante, não perdoam faltas aos seus governantes e que, se algum fosse apanhado em falso, teria a sua carreira política imediatamente terminada. 

Em Portugal, não só se perdoa piamente os pecados cometidos pelos políticos como até se inventou uma nova forma para a sua absolvição integral: os reembolsos. Está um secretário de Estado a receber indevidamente um subsídio de alojamento? O secretário de Estado reembolsa o dinheiro e tudo fica resolvido. Vão três secretários de Estado assistir a jogos de futebol do Euro à boleia de uma empresa privada que está sob a sua tutela? Os secretários de Estado reembolsam a empresa e é como se nada se tivesse passado. Acha o Presidente da República que deve usar um Falcon da Força Aérea para assistir a um jogo de futebol do Euro? Não há problema. O Presidente oferece-se para reembolsar a Força Aérea apenas pelo seu lugar e, neste caso, o primeiro-ministro convenientemente recusa que a Força Aérea receba o reembolso. A cooperação institucional faz maravilhas!

Não há dúvida de que os nossos políticos vivem num mundo maravilhoso em que tudo lhes é pago e, mesmo que o pagamento seja indevido, o assunto fica resolvido com um simples reembolso que até pode nunca chegar a ocorrer. Já os cidadãos comuns vivem noutra dimensão. A esses, os reembolsos do IRS que lhes são devidos chegam com um extraordinário atraso. Esses têm agora de pagar um IMI aumentado por fatores como a exposição solar e a vista, achando o governo que criou a medida, os partidos que o sustentam e o Presidente que a promulgou que se trata de justiça fiscal. Há, de facto, muita justiça nesta relação entre os políticos e os cidadãos portugueses. E também muita falta de vergonha.

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à terça-feira