Pemex. Projeto do PS obrigaria Portas a pedir autorização para aceitar emprego

Pemex. Projeto do PS obrigaria Portas a pedir autorização para aceitar emprego


A comissão para a Transparência prepara legislação que tornaria mais complicado a Paulo Portas aceitar o lugar de conselheiro da petrolífera mexicana Pemex, para a qual trabalha desde julho.


Paulo Portas tem mais um emprego. O consultor da Mota-Engil é, desde julho, também conselheiro da empresa petrolífera estatal mexicana Pemex. A aceitação do cargo não oferece dúvidas, com a lei em vigor, mas o caso poderia ser diferente se vigorasse já a proposta que o PS entregou em março no parlamento e que – juntamente com as propostas dos restantes partidos – deverá ser votada na comissão eventual para a Transparência em setembro.

Se a proposta dos socialistas for aprovada tal como está, quem sai do governo fica impedido, por um período de três anos, de “aceitar cargos em empresas privadas que prossigam atividade relevante no setor por eles diretamente tutelado, competindo à comissão parlamentar competente em matéria de estatuto dos titulares de cargos políticos a emissão de parecer vinculativo quanto à qualificação dessa relevância”. 

Ou seja, Portas teria de obter a autorização de uma comissão no parlamento para aceitar o emprego. Porquê? Por causa das relações que teve com o Estado mexicano e a Mota-Engil enquanto responsável pela diplomacia económica no governo de Passos Coelho.

Enquanto vice-primeiro-ministro, Portas foi por duas vezes ao México em visita oficial. Numa delas, em 2014, foi para assistir à assinatura de um contrato da Mota-Engil (para quem agora trabalha como consultor). Nesse mesmo ano, durante uma visita do presidente do México a Lisboa, a Pemex, que agora contratou Portas, assinou um memorando de entendimento com a Galp que – segundo a empresa explicou ao jornal espanhol “El Diario” – está “relacionado com o intercâmbio de informação e o desenvolvimento de projetos”, mas cujo conteúdo é “confidencial” e só deverá ser tornado público em 2026.

Todos estes contornos teriam, se o projeto socialista estivesse em vigor, de ser alvo da análise de uma comissão na Assembleia da República para determinar se estas relações entre o ministro Paulo Portas e e a empresa mexicana poderiam ou não ser classificadas como “relevantes”, eventualmente impedindo o centrista de aceitar o lugar de conselheiro da Pemex.

PS e BE com dúvidas Sem conhecer o caso, o deputado do PS Pedro Delgado Alves evita entrar em pormenores, mas defende que esta contratação de Portas “é mais uma evidência que demonstra a atualidade e a necessidade de criar regras mais claras e mais específicas” no que toca aos regimes de incompatibilidades para os titulares de cargos públicos. Delgado Alves frisa que a ideia do PS é “apertar os critérios” que estão na lei, sem ser “demasiado puritano”, ao ponto de impedir ex-governantes de conseguir um emprego depois de sair do governo.

“Estes casos põem em causa a lisura da democracia”, ataca o deputado bloquista Pedro Soares, que diz que esta contratação coloca “sérias dúvidas” até por ter acontecido pouco mais de um mês depois de Portas abandonar o parlamento como deputado e poucos meses depois de deixar de ser ministro. “E estas coisas não se negoceiam em 15 dias”, aponta Soares, que vê Paulo Portas a “transformar–se numa espécie de agente de negócios da América Latina em Portugal” e considera que quem teve a tutela da diplomacia económica devia ter cautela antes de aceitar este tipo de lugares. “Acabou de sair do governo e foi contratado por dois portentos económicos como a Mota-Engil e a Pemex. É claro que isso suscita dúvidas.”

A comissão parlamentar eventual para o reforço da transparência foi, de resto, criada na sequência da polémica da contratação de Maria Luís Albuquerque pela empresa gestora de dívidas públicas Arrow. O caso levou a esquerda a entender que eram precisas regras mais apertadas de impedimento para o chamado “período de nojo” definido na lei (os três anos após a saída dos cargos governativos).

A ex-ministra das Finanças não violou a lei ao aceitar o novo emprego porque a Arrow nunca beneficiou de incentivos fiscais ou legais atribuídos pelo governo de que fazia parte a social-democrata, mas PS, BE e PCP entenderam que havia uma questão ética que fazia com que fosse preciso rever as regras em vigor.

Cravinho pede ética João Cravinho, o socialista que em 2006 apresentou um ambicioso pacote anticorrupção, diz que está na altura de encontrar uma forma de olhar para casos como os da contratação de Portas, de Maria Luís Albuquerque ou de Durão Barroso – que está agora a trabalhar para o Goldman Sachs depois de ter saído da Comissão Europeia – que não passe só pela lei, mas também pela ética.

“Há uma tensão entre a opinião pública e publicada e a tendência histórica de encarar estes casos como legais e não como éticos”, afirma João Cravinho ao i, defendendo que seria necessário que “a Assembleia da República assumisse o seu papel” na avaliação destas relações entre políticos e empresas privadas e avançasse com “uma definição clara” dos limites éticos que devem ser impostos não só nos casos em que há contratações, mas também nos casos em que há ofertas, como as viagens que foram pagas pela Galp a três secretários de Estado do governo de António Costa.

“Alguém devia emitir um juízo ético porque não se trata apenas de um juízo legal”, argumenta Cravinho que, mais do que o código de conduta sobre presentes a governantes que foi anunciado pelo ministro Augusto Santos Silva, gostava de ver uma lei que abarcasse todas as relações entre políticos e empresas privadas, e não uma “legislação avulsa”.

CDS não comenta O i tentou contactar Paulo Portas e a direção do CDS para comentar o caso, mas não foi possível obter uma reação. Uma fonte próxima do ex-líder centrista sublinha, contudo, que a Pemex nunca teve uma relação direta com Portas enquanto governante. “Como responsável pela diplomacia económica, levou 960 empresas ao estrangeiro em missões empresariais. Isso significa que não podia trabalhar depois de sair do governo?”, questiona a mesma fonte. *com Rita Porto