Manuais escolares. Quando a internet substitui a livraria de bairro

Manuais escolares. Quando a internet substitui a livraria de bairro


As aulas só começam em setembro, mas as dores de cabeça (e de carteira) dos pais começam agora. Para poupar nos manuais escolares, a compra online ou a troca através de grupos em redes sociais é cada vez mais uma opção segura


A experiência de Cristina Cardoso fez dela uma cética em relação aos bancos escolares. Durante anos, tentou que essa fosse a opção na hora de reunir os livros necessários para o filho, mas poucas foram as vezes em que chegava a casa de mochila cheia. “Os livros estavam sempre em péssimo estado”, conta ao i, “até que avancei para o OLX”. Mais uma tentativa, mais um falhanço. “Quando parecia estar tudo bem com o estado do livro, era o ISBN – código único internacional que identifica o livro pelo título, autor, país de origem e editor – que não correspondia”. Há dois anos que desistiu destas alternativas e aposta agora na compra online antecipada e que assegura, na maioria dos casos, um desconto de 10% face ao preço de venda ao público.

O número de famílias que recorre a trocas, doações e vendas de livros não para de crescer a cada ano, desmistificando a ideia de que só as famílias carenciadas recorrem à reutilização de livros. “Essa é uma realidade de 2011”, refere Henrique Trigueiros Cunha, lembrando o ano em que arrancou com o projeto “Reutilizar.org”. Ele próprio está à frente de um banco de livros, o de Carnaxide, e garante que é a classe média a que mais partilha. “É um mito pensar que o livro usado vai para o pobre e o novo para o rico. Reutilizar é uma questão de educação e não de riqueza”, acrescenta.

Nos últimos cinco anos, abriram em Portugal quase 200 bancos de livros associados ao “Reutilizar.org”. Paralelamente, a organização tem ativa uma petição pública com mais de 1700 assinaturas pela criação de um banco de empréstimo ou partilha de livros escolares em cada escola do país. 

Henrique considera que o trabalho da organização só terá fim – “ou outra finalidade” – quando obtiverem do governo uma resposta à altura das suas reivindicações. No ano passado, o movimento apresentou uma queixa ao provedor de Justiça para reclamar o cumprimento da lei, que estabelece um prazo de seis anos de vida para cada um dos manuais escolares que, contudo, “não é cumprido”.

O responsável espera que a nova equipa do ministério da Educação se foque no cumprimento desta lei e vê com bons olhos as notícias já avançadas por Tiago Brandão Rodrigues e que dão conta que existe um grupo de trabalho reunido para definir um programa de aquisição e reutilização de manuais escolares.

Livros com vida curta Se provas faltassem para provar a curta esperança de vida de um livro escolar, a família de Sónia Diz seria um exemplo. Com três filhos a fazer uma diferença máxima de seis anos entre o mais velho e o mais novo, nunca conseguiu que os livros passassem de mão em mão. “Basta que a editora mude a paginação para que já seja difícil para o aluno acompanhar o ritmo do resto da turma”, explica. 

Habituada a fazer contas rápidas, obrigações de quem gere o orçamento de uma família já considerada numerosa, Sónia sabe de cor o número que prevê desembolsar no próximo ano letivo: 661 euros. “Para o 5.º ano do Miguel seria 191 euros, o 9.º ano da Francisca 220 euros e para a Margarida, que passou para o 11.º, 250 euros”. Perante estes valores, que vão crescendo a cada ano, há muito que Sónia opta por alternativas às livrarias.

Começou por promover trocas entre familiares e amigos e já há algum tempo que alargou esse trabalho à comunidade. Criou um grupo no Facebook para trocas de livros na zona de Cascais que conta com quase 200 membros. Admite, no entanto, que não há ano em que não tenha que recorrer ao comércio habitual para suprimir uma falha de última hora, mas garante que a poupança é normalmente de 50%. “Para isso contribuí também o tipo de ideais que passamos às crianças. Aqui em casa, por exemplo, eles sempre foram educados para conservar e sabem que no final do ano os seus livros vão ser usados por outra pessoa”. A do meio, a Francisca, tem este hábito como algo tão banal que já avisou a mãe que tem tudo controlado para setembro. “Entre os amigos e os professores da escola, já garantiu todos os manuais escolares do próximo ano”.