Carvalho da Silva. “À medida que a legislatura avance problemas vão ser mais quentes”

Carvalho da Silva. “À medida que a legislatura avance problemas vão ser mais quentes”


O antigo líder da CGTP defende que o primeiro-ministro tem tido uma estratégia interessante ao resolver uma coisa de cada vez e que a política de pequenos passos é um sinal à sociedade que contraria a ideia de que a perda de direitos seria uma inevitabilidade


Há algum perigo de um governo do PS, mais centrado à esquerda e apoiado pelo BE e o PCP, poder esvaziar a mobilização reivindicativa? 

Pode haver. Se não houver cuidado por parte dos partidos, isso pode levar a que se fechem sobre si próprios. Como homem de esquerda penso que haver um governo do PS, com apoio parlamentar à esquerda, não pode desarmar toda uma intervenção social e política crítica na sociedade. Houve uma certa fragilização, vejo isso em várias áreas em que me movo. Espero que seja passageiro e que ressurja em força uma dinâmica crítica, ativa e que ultrapasse o próprio espaço dos partidos. Os partidos à esquerda devem fazer o seu trabalho de forma coerente e empenhada. Não devem diminuir a ação crítica. A direita anda permanentemente a tentar comprometer o PCP e o BE de forma total no governo para quê? Para impedir que haja um espaço crítico à esquerda do governo. Esse espaço crítico à esquerda do governo não pode desaparecer.

Esse risco então é real?

Sim, há riscos. Todavia, do ponto de vista da dinâmica social em geral, e do movimento sindical em particular, nota-se que este tem estado numa posição de equilíbrio bastante interessante. Porque não tem abdicado de colocar as suas posições, tem feito movimentações, manifestações e lutas em momentos bastante oportunos e mantém-se atento. E vai ter de manter uma atenção muito grande e uma mobilização forte em relação à administração publica por razões que são evidentes, porque toda esta dinâmica neoliberal que vem da Europa e que existe também internamente, afronta a estruturada da administração pública e a prestação dos direitos sociais fundamentais dessa estrutura. Por isso, saúde, educação, segurança social, formação e justiça são áreas que vão estar em tensão forte. É de prever uma ação do movimento sindical (veja-se o caso recente no setor da saúde por cauda da aplicação das 35 horas). É provável que se assista a outras mobilizações.

Perante isso, como avalia os primeiros oito meses da geringonça?

Acho que o que se pode constatar é que o funcionamento desta solução, com um governo do PS apoiado à esquerda, tem do ponto de vista geral funcionado melhor do que muita gente imaginava à partida. Veio criar um novo sentimento na sociedade. A fase inicial foi muito marcada por uma persistência da direita que a todo o custo tentou primeiro inviabilizar e depois descredibilizar e desacreditar a solução nos planos interno e externo. Mas a direita está a sair-se mal nessa função e este último episódio das chamadas sanções também contribuiu para a perceção de que esse negativismo em que quer situar constantemente o país, pode ser sacudido. Isso é o mais relevante. 

Vê então aspetos positivos na governação..

Constato que em algumas áreas se têm dado pequenos passos. Desde o início que digo que são, em muitos casos, pequenos passos corajosos de dignidade e um sinal à sociedade portuguesa de não cedência à inevitabilidade do retrocesso. 

Quer indicar algum caso concreto?

O caso da educação [subsídios aos colégios privados]. Pela sua simbologia, até mais do que por aquilo que representa, é um caso muito interessante. Mas há outras medidas, como a reposição dos subsídios de férias, dos feriados, as 35 horas. Por exemplo, encontrei muitos reformados que já se tinham esquecido do direito ao subsídio de férias e que pareceram agora surpreendidos. A reposição lembrou-os dos seus direitos. Ponho em relevo este aspeto porque estamos debaixo de uma situação de políticas de austeridade com imensas limitações. E isto vai continuar. Mas haver um governo que ajuda a sociedade a dar pequenos passos, que lhe traz à memória aquilo que eram as suas condições, facilita uma coisa que é primordial: mobilizar a sociedade para que as políticas que foram adotadas em nome de uma situação de emergência, com toda a argumentação que levou a cortes e eliminação de direitos, não se torne normalidade, se perpetue, porque isso significaria baixar automaticamente o patamar de desenvolvimento do país. Daí a importância destes pequenos passos. 

 

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