A arte do emoji


Eles não sabiam que a paixão entre as pessoas, tal como a juventude, é muito boa enquanto dura, mas dura pouco, sobretudo sem o alimento recorrente do toque, do riso e das palavras


Ele entrou no restaurante e sentou-se, mal deitou os olhos à lista, escolheu com pressa e pediu; e logo se agarrou, sôfrego, ao seu telefone esperto, como se este reclamasse atenção urgente. E não o largou mais, não mais tirou os olhos dele, não parou de o afagar – como é próprio do enlevo da paixão, sobretudo quando o objeto dela (como acontece com um smartphone) é um ser tão caprichoso quanto misterioso e promissor. Os minutos corriam e ele navegava, via, bisbilhotava, lia, escrevia, ria, respondia, jogava, espreitava, fotografava-se, revelava-se, dissimulava-se, e não tirava as mãos e os olhos apaixonados do telefone. E este – da raça dominante a que chamam esperto – oferecia-se às carícias e à atenção, e cada luz, cada aplicação, cada habilidade pareciam sinais – lânguidos e certeiros – de que a paixão era correspondida.

A certa altura, deu sinal da chegada de uma mensagem. Era ela. Não escrevera nenhuma palavra, no ecrã apenas uma cara sorridente e um coração. Ele sorriu, pensou “que querida” e respondeu com um bonequinho envergonhado, e logo voltou para o colo aconchegante do ser telefónico. Ela não se ficou e atirou com nova mensagem, desta vez com um emoji mais eloquente, aquele que dispensa a carinha sorridente e se fica só pelo coração. Ele olhou rapidamente, voltou a sorrir e a pensar nela com carinho, e respondeu, com rapidez, com o mesmo emoji. Não havia tempo para mais, o telefone estava ali e prometia e exigia tanta coisa, e ele pensava que um coração vermelho projetado num ecrã luminoso bastava para que ela percebesse tudo. E continuaram assim, boneco para cá, boneco para lá, pequenas clareiras numa floresta de navegação pelos mundos dos seus telefones, cada um com o seu, cada um entrincheirado num mundo de luzes, imagens e possibilidades.

Durou isto todo o tempo da espera pelo prato, quase meia hora (restaurante cheio e serviço lento). Só quando chegou a comida ele levantou os olhos do telefone. E ela, que estava sentada em frente dele, fez o mesmo. Olharam-se, não disseram nada, apenas sorriram levemente um para o outro, como se as suas caras fossem grandes emojis. Sem palavras. O empregado pousou os pratos, com cuidado e até um pouco a medo, pois estivera a observá-los e vira que nunca olharam um para o outro e que nunca falaram, absortos nos seus telefones, e temia que ali tivesse havido zanga e que alguma falha sua fizesse explodir um ou outro. Mas não, nada disso. Não havia nenhuma zanga entre aqueles dois jovens, antes pelo contrário, sentiam-se bem, julgavam-se apaixonados. Mantiveram os seus sorrisos leves, continuaram sem trocar qualquer palavra. Com a mão esquerda pegaram no garfo, cada um no seu, e com a direita, cada um o seu, começaram a manejar os telefones que colocaram ao lado do prato. Eles não sabiam que a paixão entre as pessoas, tal como a juventude, é muito boa enquanto dura, mas dura pouco, sobretudo sem o alimento recorrente do toque, do riso e das palavras. Haverá algum emoji que o ensine?

Escreve quinzenalmente à sexta-feira

 


A arte do emoji


Eles não sabiam que a paixão entre as pessoas, tal como a juventude, é muito boa enquanto dura, mas dura pouco, sobretudo sem o alimento recorrente do toque, do riso e das palavras


Ele entrou no restaurante e sentou-se, mal deitou os olhos à lista, escolheu com pressa e pediu; e logo se agarrou, sôfrego, ao seu telefone esperto, como se este reclamasse atenção urgente. E não o largou mais, não mais tirou os olhos dele, não parou de o afagar – como é próprio do enlevo da paixão, sobretudo quando o objeto dela (como acontece com um smartphone) é um ser tão caprichoso quanto misterioso e promissor. Os minutos corriam e ele navegava, via, bisbilhotava, lia, escrevia, ria, respondia, jogava, espreitava, fotografava-se, revelava-se, dissimulava-se, e não tirava as mãos e os olhos apaixonados do telefone. E este – da raça dominante a que chamam esperto – oferecia-se às carícias e à atenção, e cada luz, cada aplicação, cada habilidade pareciam sinais – lânguidos e certeiros – de que a paixão era correspondida.

A certa altura, deu sinal da chegada de uma mensagem. Era ela. Não escrevera nenhuma palavra, no ecrã apenas uma cara sorridente e um coração. Ele sorriu, pensou “que querida” e respondeu com um bonequinho envergonhado, e logo voltou para o colo aconchegante do ser telefónico. Ela não se ficou e atirou com nova mensagem, desta vez com um emoji mais eloquente, aquele que dispensa a carinha sorridente e se fica só pelo coração. Ele olhou rapidamente, voltou a sorrir e a pensar nela com carinho, e respondeu, com rapidez, com o mesmo emoji. Não havia tempo para mais, o telefone estava ali e prometia e exigia tanta coisa, e ele pensava que um coração vermelho projetado num ecrã luminoso bastava para que ela percebesse tudo. E continuaram assim, boneco para cá, boneco para lá, pequenas clareiras numa floresta de navegação pelos mundos dos seus telefones, cada um com o seu, cada um entrincheirado num mundo de luzes, imagens e possibilidades.

Durou isto todo o tempo da espera pelo prato, quase meia hora (restaurante cheio e serviço lento). Só quando chegou a comida ele levantou os olhos do telefone. E ela, que estava sentada em frente dele, fez o mesmo. Olharam-se, não disseram nada, apenas sorriram levemente um para o outro, como se as suas caras fossem grandes emojis. Sem palavras. O empregado pousou os pratos, com cuidado e até um pouco a medo, pois estivera a observá-los e vira que nunca olharam um para o outro e que nunca falaram, absortos nos seus telefones, e temia que ali tivesse havido zanga e que alguma falha sua fizesse explodir um ou outro. Mas não, nada disso. Não havia nenhuma zanga entre aqueles dois jovens, antes pelo contrário, sentiam-se bem, julgavam-se apaixonados. Mantiveram os seus sorrisos leves, continuaram sem trocar qualquer palavra. Com a mão esquerda pegaram no garfo, cada um no seu, e com a direita, cada um o seu, começaram a manejar os telefones que colocaram ao lado do prato. Eles não sabiam que a paixão entre as pessoas, tal como a juventude, é muito boa enquanto dura, mas dura pouco, sobretudo sem o alimento recorrente do toque, do riso e das palavras. Haverá algum emoji que o ensine?

Escreve quinzenalmente à sexta-feira