É possível enganar muita gente durante muito tempo. Mas não é possível enganar toda a gente durante todo o tempo. António Costa está prestes a perceber isto. Ele está cada vez mais próximo de se estampar contra o muro que não foi (e nunca seria) capaz de derrubar: o muro da realidade.
Os últimos dias em Portugal têm sido passados entre as seleções e as sanções. Que Portugal tenha sorte nos dois tabuleiros europeus em que está a jogar é o que todos desejamos. Mas ao contrário da seleção, que só depende de si e da sorte para seguir em frente, o governo colocou-se numa tal posição de irresponsabilidade que já só depende da sorte para que Portugal não seja sancionado pela Comissão Europeia.
Sejamos sérios: as sanções só estão em cima da mesa porque este governo está a pôr em causa todos os compromissos assumidos relativamente ao futuro, bem como todos os resultados de consolidação orçamental que Portugal alcançou no passado. Bruxelas não está minimamente interessada em penalizar o exercício de 2015 – se fosse pelo comportamento das contas públicas no passado, as sanções há muito teriam sido aplicadas, várias vezes e a vários governos. Vamos supor: mesmo que Portugal tivesse saído do procedimento por défice excessivo em 2015, coisa que só não aconteceu porque Costa não quis, muito provavelmente, o país estaria a ter o mesmo debate. E porquê? Porque com os indicadores de que já dispõe, Bruxelas teme que 2016 seja a repetição de 2011.
Entre nós, o debate nem sempre é nítido. Mas quem está em Bruxelas não é sensível ao pensamento mágico e sabe que as vacas não voam. As preocupações da União Europeia são fundadas: a dívida pública inverteu a tendência e voltou a engordar; a economia abrandou; o investimento quebrou; as exportações já não fazem sprints históricos e marcam passo; com tudo isto, o país deixou de criar emprego. Bruxelas vê ainda mais coisas que nós não vemos: vê que a dívida na saúde está a aumentar brutalmente e que os atrasos nos pagamentos a fornecedores voltaram a ser uma realidade; vê que a execução dos fundos estruturais, na qual o país tem uma comparticipação de 15%, foi congelada pelo governo para poder maquilhar as contas; e vê que os aumentos trimestrais da função pública, bem como a aplicação das 35 horas à totalidade dos funcionários do Estado, são medidas em total suborçamentação ou mesmo desorçamentação.
No limite, e no rationale europeu, uma recaída de Portugal é muito mais grave do que a aplicação de sanções, que inevitavelmente serão sentidas como injustas.
Costa está a varrer as contas para debaixo do tapete, à espera de que o primeiro semestre feche com números que lhe permitam manter todas as opções em aberto. A cada crítica interna ou externa responde com a fanfarronice habitual: “Tudo como previsto.” As promessas do PS para o PIB quebram de 2,6% para 1,8%, de 1,8% para 1,5% e agora para um mísero 1%? Tudo como previsto. O desemprego aumenta e a dívida pública explode? Tudo como previsto. Virar a página da austeridade é crescer menos do que na legislatura anterior? Tudo como previsto. A mim parece-me que alguém foi enganado no meio disto tudo. Se o previsto pelo PS é conduzir o país a um novo resgate, uma especialidade socialista, então está mesmo tudo a correr como previsto.
Pedro Passos Coelho, líder do meu partido, assinou um artigo de opinião no “DN” em que acusa Costa de ter virado a página da credibilidade em vez da prometida página da austeridade. Vou mais longe: Costa rasgou a página da credibilidade e da confiança.
Não vale a pena vir com o discurso gasto da herança; não valem a pena bravatas na Europa que já têm voz no discurso oficial deste inenarrável Bloco de Esquerda.
Portugal está na linha de fogo porque destruiu o que de bom tinha sido feito no passado e ainda não deu mostras de saber construir alguma coisa positiva para o futuro. Portugal não sai da linha de fogo porque a cabeça do governo está nas mãos dos jacobinos do Bloco.
Como já aqui escrevi, as vitórias eleitorais têm duas dimensões: a quantitativa – ter pelo menos mais um voto do que o adversário; e a qualitativa – ter reais condições de governabilidade que permitam a execução de um projeto. António Costa não só não teve uma vitória quantitativa (foi derrotado) como também não teve um resultado qualitativo. A sua construção esquerdista funciona, é certo, mas essencialmente para garantir a sua existência, e não para garantir a boa governação.
Infelizmente, Portugal está cada vez mais perto de saber qual é a fatura desta festa de família da esquerda. A festança em que todos se sentaram à mesa do PS, o Bloco pediu à discrição e os portugueses pagam a conta.