Brexit: a vitória da mentalidade tabloide


Se ficasse, o Reino Unido tinha garantido uma série de derrogações inadmissíveis que também seriam um precedente perigoso. Entretanto, em Espanha, o bloqueio subsiste, enquanto no Rio reina o caos em véspera dos Jogos


1) Não vale a pena entrar em profundas reflexões sociológicas sobre o inesperado Brexit que o Reino Unido decidiu em referendo. O eleitorado vitorioso é constituído parcialmente por gente que não aprecia certos imigrantes, como os portugueses, espanhóis, gregos e italianos, sobretudo quando têm empregos sociais e na saúde. Este núcleo detesta polacos e odeia os problemáticos romenos. Também não quer lá refugiados de África, do Oriente e Médio Oriente, enquanto suporta por hábito os oriundos do ex-Império, nomeadamente indianos e paquistaneses. Outra parte deste eleitorado do Brexit é gente reformada que não se conforma com a integração e se marimbou para o futuro de filhos e netos, mas que pode sofrer muito se os fundos de pensões se degradarem. Nestes 17 milhões, que tanto envolvem trabalhistas como conservadores, está o grosso dos leitores dos célebres tabloides (a maioria pelo Brexit) patrioteiros britânicos que moldam a opinião da população menos instruída, onde nascem e se desenvolvem grupos de nacionalistas e de hooligans pobres, que nasceram com a destruição do operariado pela sra. Thatcher. É claro que também terá havido leitores do “Financial Times” nos votantes pela saída, mas esses são uma elite reduzida. No Reino Unido, a imprensa popular é uma força. Por cá, também já vai sendo.

2) Analisando friamente, a diferença entre o Reino Unido sair ou ficar na UE talvez não seja assim tão grande. Desde logo porque se trata da quinta economia do mundo, coisa que só deixará de ser no caso de o reino se desmembrar. Assim, é possível que após um primeiro impacto recessivo, as coisas retomem o seu curso com uma circulação económica e financeira avultada, salvo na imigração. Uma espécie de Noruega em grande, embora no caso norueguês haja livre circulação. É importante lembrar que, se tivesse votado pela manutenção na UE, a Inglaterra teria assegurado mais um conjunto de derrogações que reforçariam uma situação de exceção lamentável. O compromisso foi obtido quase por chantagem e por complacência dos maiores exportadores, nomeadamente a Alemanha. O erro de Cameron foi não ter ficado por ali e ter cedido aos eurocéticos conservadores, convocando o referendo. Não quis só um pássaro na mão, ao contrário de Fernando Santos.

3) Ainda pouco se falou do assunto, mas certamente que os franceses já têm o tema em agenda. Será que faz sentido que o inglês se mantenha como a língua de trabalho absoluta na UE com a saída do Reino Unido? Afinal de contas, só a Irlanda é que fala inglês e, mesmo assim, não é a língua original do país, embora seja a que todos utilizam. O inglês é a língua franca do mundo, mas talvez seja a oportunidade de dar mais espaço a outras, nomeadamente a nossa. Mas como ninguém, salvo praticamente os carolas do Ciberdúvidas, se preocupa com ela, tudo ficará como dantes, com quartel em Abrantes. E por falar nisso, está em curso uma campanha para salvar o Ciberdúvidas e o seu transcendente serviço público que tarda em ser apoiado pelo Estado, pelos cidadãos conscientes e pelas empresas. Atos precisam-se.

4) Em Espanha, as eleições deixaram as coisas mais ou menos na mesma, reforçando um pouco o PP e mantendo o PSOE em segundo para grande trauma do Podemos, o derrotado do escrutínio de domingo. A situação de bloqueio não se pode manter por mais tempo sob pena de o país entrar numa enorme convulsão económica e social por causa da irresponsabilidade política. Veremos se há algum político espanhol que tenha a imaginação e habilidade de António Costa ou o espírito patriótico que por cá tiveram Soares e Mota Pinto nos idos anos 80 do bloco central.

5) O BE agendou para hoje no parlamento a discussão de propostas que visam acabar com as condições humilhantes a que os desempregados estão sujeitos. Uma delas é a apresentação quinzenal que, na verdade, é um termo de identidade e residência (TIR) que nem a certos banqueiros corruptos e a outro tipo de carteiristas se aplica. Parece que o governo está recetivo a mudanças. Esperemos que não seja pior a emenda que o soneto. Curiosamente, a coisa mais simples não parece ter sido posta em cima da mesa pela Grande Catarina: repor os subsídios de desemprego ao nível que estavam antes da troika. Já que se reverte tanta coisa, talvez essa fosse a mais justa.

6) Por cá, só se ouve falar do Euro 2016. Noutros países olha-se também para os Jogos Olímpicos. Os grandes media mundiais traçam quadros aterradores da segurança, das obras, da salubridade, do clima social e da falta de dinheiro a escassas semanas do início dos Jogos. Inclusivamente teme-se que o metro que vai dar ao estádio olímpico do Rio não fique pronto. Um verdadeiro filme de terror cuja cobertura jornalística se recomenda vivamente aos nossos media, designadamente às televisões.

Jornalista


Brexit: a vitória da mentalidade tabloide


Se ficasse, o Reino Unido tinha garantido uma série de derrogações inadmissíveis que também seriam um precedente perigoso. Entretanto, em Espanha, o bloqueio subsiste, enquanto no Rio reina o caos em véspera dos Jogos


1) Não vale a pena entrar em profundas reflexões sociológicas sobre o inesperado Brexit que o Reino Unido decidiu em referendo. O eleitorado vitorioso é constituído parcialmente por gente que não aprecia certos imigrantes, como os portugueses, espanhóis, gregos e italianos, sobretudo quando têm empregos sociais e na saúde. Este núcleo detesta polacos e odeia os problemáticos romenos. Também não quer lá refugiados de África, do Oriente e Médio Oriente, enquanto suporta por hábito os oriundos do ex-Império, nomeadamente indianos e paquistaneses. Outra parte deste eleitorado do Brexit é gente reformada que não se conforma com a integração e se marimbou para o futuro de filhos e netos, mas que pode sofrer muito se os fundos de pensões se degradarem. Nestes 17 milhões, que tanto envolvem trabalhistas como conservadores, está o grosso dos leitores dos célebres tabloides (a maioria pelo Brexit) patrioteiros britânicos que moldam a opinião da população menos instruída, onde nascem e se desenvolvem grupos de nacionalistas e de hooligans pobres, que nasceram com a destruição do operariado pela sra. Thatcher. É claro que também terá havido leitores do “Financial Times” nos votantes pela saída, mas esses são uma elite reduzida. No Reino Unido, a imprensa popular é uma força. Por cá, também já vai sendo.

2) Analisando friamente, a diferença entre o Reino Unido sair ou ficar na UE talvez não seja assim tão grande. Desde logo porque se trata da quinta economia do mundo, coisa que só deixará de ser no caso de o reino se desmembrar. Assim, é possível que após um primeiro impacto recessivo, as coisas retomem o seu curso com uma circulação económica e financeira avultada, salvo na imigração. Uma espécie de Noruega em grande, embora no caso norueguês haja livre circulação. É importante lembrar que, se tivesse votado pela manutenção na UE, a Inglaterra teria assegurado mais um conjunto de derrogações que reforçariam uma situação de exceção lamentável. O compromisso foi obtido quase por chantagem e por complacência dos maiores exportadores, nomeadamente a Alemanha. O erro de Cameron foi não ter ficado por ali e ter cedido aos eurocéticos conservadores, convocando o referendo. Não quis só um pássaro na mão, ao contrário de Fernando Santos.

3) Ainda pouco se falou do assunto, mas certamente que os franceses já têm o tema em agenda. Será que faz sentido que o inglês se mantenha como a língua de trabalho absoluta na UE com a saída do Reino Unido? Afinal de contas, só a Irlanda é que fala inglês e, mesmo assim, não é a língua original do país, embora seja a que todos utilizam. O inglês é a língua franca do mundo, mas talvez seja a oportunidade de dar mais espaço a outras, nomeadamente a nossa. Mas como ninguém, salvo praticamente os carolas do Ciberdúvidas, se preocupa com ela, tudo ficará como dantes, com quartel em Abrantes. E por falar nisso, está em curso uma campanha para salvar o Ciberdúvidas e o seu transcendente serviço público que tarda em ser apoiado pelo Estado, pelos cidadãos conscientes e pelas empresas. Atos precisam-se.

4) Em Espanha, as eleições deixaram as coisas mais ou menos na mesma, reforçando um pouco o PP e mantendo o PSOE em segundo para grande trauma do Podemos, o derrotado do escrutínio de domingo. A situação de bloqueio não se pode manter por mais tempo sob pena de o país entrar numa enorme convulsão económica e social por causa da irresponsabilidade política. Veremos se há algum político espanhol que tenha a imaginação e habilidade de António Costa ou o espírito patriótico que por cá tiveram Soares e Mota Pinto nos idos anos 80 do bloco central.

5) O BE agendou para hoje no parlamento a discussão de propostas que visam acabar com as condições humilhantes a que os desempregados estão sujeitos. Uma delas é a apresentação quinzenal que, na verdade, é um termo de identidade e residência (TIR) que nem a certos banqueiros corruptos e a outro tipo de carteiristas se aplica. Parece que o governo está recetivo a mudanças. Esperemos que não seja pior a emenda que o soneto. Curiosamente, a coisa mais simples não parece ter sido posta em cima da mesa pela Grande Catarina: repor os subsídios de desemprego ao nível que estavam antes da troika. Já que se reverte tanta coisa, talvez essa fosse a mais justa.

6) Por cá, só se ouve falar do Euro 2016. Noutros países olha-se também para os Jogos Olímpicos. Os grandes media mundiais traçam quadros aterradores da segurança, das obras, da salubridade, do clima social e da falta de dinheiro a escassas semanas do início dos Jogos. Inclusivamente teme-se que o metro que vai dar ao estádio olímpico do Rio não fique pronto. Um verdadeiro filme de terror cuja cobertura jornalística se recomenda vivamente aos nossos media, designadamente às televisões.

Jornalista