O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos, João Lopes, não vê com bons olhos a realização de uma comissão de inquérito à gestão do banco porque considera que vai ter consequências imprevisíveis até pela forma como está a ser montada. De acordo com o responsável, a CGD está a ser usada para a agenda política e que vai inevitavelmente afetar a sua imagem. João Lopes defende antes a realização de uma auditoria forense, mas com a descrição que deve ter e acredita que há muita gente interessada em querer deitar a Caixa abaixo.
Como vê o sindicato os rumores sobre possíveis despedimentos na CGD e que podem afetar dois mil trabalhadores?
Não consigo compreender este tipo de informações. Quem avançou com esse número foi um comentador político, mas não temos qualquer informação oficial sobre este número e nem sequer devíamos ter, uma vez que, a nova administração ainda não entrou em funções. Por isso é cedo dizer se a Caixa precisa disto ou daquilo. É um número que me parece não estar baseado em nada, só quando a nova administração assumir funções é que pode saber. Mas parece-me que é algo contraditório porque, por um lado, diz-se que a Caixa deve ser mais ativa no apoio às pequenas e médias empresas e na sua intervenção global na economia do país e que a recapitalização do banco tem de ter esse objetivo principal. Por outro lado, ao que parece, querem enfraquecer a atividade da empresa. Se se fecham balcões, se se reduz pessoal está-se a enfraquecer inevitavelmente a atividade da empresa. Ou se quer uma coisa ou se quer outra, isto é incoerente.
Quando é que esperam informações?
Estamos a aguardar que chegue a nova administração que já tarda em chegar. Esse atraso até está a ser prejudicial para a própria administração porque se está a especular muito e a criar expectativas que estão eventualmente desajustadas à realidade. Mas quando chegar, não sabemos quando, é que a administração pode então avaliar com alguma propriedade o que é preciso fazer, também é preciso saber qual é o mandato que o governo vai dar à nova administração e ao banco para se posicionar na economia nacional, como deve atuar, em que termos deve atuar, se é mais um banco como outro qualquer ou se é um banco com determinadas características, com determinadas responsabilidades e com procedimentos que outro banco não deve ter. Não parece correto nem lógico que a nova administração venha para aqui fazer aquilo que entende que deve fazer.
E o que deve fazer?
A nova administração deve fazer aquilo que o acionista Estado lhe conferir como mandato. E só depois de chegar é que é possível avaliar o que é que preciso fazer, o que está a falhar, se temos trabalhadores a mais nas agências, se temos agências a mais ou que é que temos a menos. Não nos podemos precipitar, quem chegar tem de ver a pirâmide de recursos e só depois é que se deve prenunciar.
O primeiro-ministro no último debate quinzenal já afastou um cenário de despedimentos, falando num programa de reformas…
A Caixa tem hoje cerca de nove mil trabalhadores, há três ou quatro anos tinha à volta de 11 mil. Tem saído muita gente, mas de forma natural através de programas de reformas e pré-reformas. Nunca a empresa teve qualquer situação de despedimento. Agora fala-se em dois mil despedimentos, mas com que base se falou nesse número? Não há base nenhuma, mas quem trabalha aqui fica naturalmente surpreso e preocupado. É uma irresponsabilidade.
Mas admitiu o encerramento de balcões no exterior…
Provavelmente houve opções que foram feitas que podem ser discutíveis. A análise que fazemos é que não há situações gritantes de perigo, a não ser a situação que se afigura mais complicada e, mesmo assim já foi mais complicada do que está hoje, que é a questão dos investimentos em Espanha. Já os outros investimentos, nos PALOPS, França e Macau são vantajosos e têm um potencial de crescimento interessante. O que me parece é que há muita gente interessada em deitar a Caixa abaixo – não se entende a razão porque o querem fazer. Já temos um setor bancário extremamente frágil, alguns já faliram e outros não estão numa situação fácil e é estranho que precisamente aquele que é o pilar do setor bancário também o querem deitar abaixo e não sei com que intuito.
Um banco que tem sido considerado um pilar base do sistema financeiro…
É o pilar base para fazer a diferenciação face ao sistema privado. Além de ser um banco público e o maior do país é o banco onde as pessoas confiam e onde depositam as suas poupanças. É talvez hoje o único banco do país em que as pessoas ainda fazem depósitos e o talvez é um preciosismo. Não é por acaso que o rácio de solvabilidade do Banco de Portugal seja de 70% e a Caixa tenha quase 150%. Nenhum banco tem nada disto, os bancos desdobram-se para ter 70, 72%. Mas isso é possível porque as pessoas olham para a Caixa com um índice de confiança que não têm nem nunca tiveram com os bancos privados. Os bancos privados desunham-se por depósitos que não conseguem captar, a Caixa não tem esse problema.
E porque assistimos a situações recentes de privados com graves crises como o BES e o Banif?
A Caixa é um banco de refúgio, as pessoas quando fogem dos bancos vêm para aqui. Neste momento o banco paga muito pouco pelos depósitos porque não precisa. O problema da Caixa não é os portugueses porem cá o dinheiro, o problema é como vai rentabilizar o dinheiro que é cá posto. Mas isso está relacionado com a dinâmica económica do país que é uma dinâmica desgraçada porque a economia está paralisada, para não dizer que ainda não saiu da recessão. O banco arrisca-se a emprestar 100 mil euros à empresa x a juro y e depois não recebe nem juro nem o capital e isso tem sido o drama da banca, não só portuguesa como também estrangeira. Tem sido um problema europeu.
E a CGD não fica alheia a estes problemas?
Não fica alheia a estas consequências. Mas já que tanto se especula sobre a Caixa devia-se primeiro definir com rigor o que é que o país e o que é que o Estado quer que a Caixa faça, que tipo de operações é que deve fazer e que tipo de operações é que não deve fazer. A Caixa nunca devia entrar na especulação, como é o caso, por exemplo, da cobrança de comissões. A Caixa deveria provavelmente poder atuar no mercado com taxas de juro mais interessantes para poder apoiar a economia, mas ao mesmo tempo não pode financiar a economia sem qualquer garantia que esse dinheiro seja seguro. Tudo isto são questões que têm de ser definidas pelo governo, se não chega aqui uma administração, como aliás já aconteceu com várias administrações nos últimos anos, e cada uma faz aquilo que acha que deve fazer e não aquilo que o acionista Estado considera que deve ser feito.
Como por exemplo?
Houve um conjunto de operações ao longo destes últimos anos que não era possível avançar sem ter por trás a proteção do governo, independentemente da administração do banco. Algumas operações tiveram quase de certeza a conivência ou, em alguns casos, até a própria orientação da tutela para que tivessem avançado. Há coisas que se fizeram aqui que não cabe na cabeça de ninguém que pudessem ter sido feitas sem a autorização do governo seja ele qual for. E isso não é correto, o que é correto é o atual governo definir qual é o mandato que a Caixa tem, qual é a atuação que deve ter no mercado, como deve influenciar o mercado, como deve moralizar o mercado, que apoio deve dar e com que segurança o faz. E é isso que nos preocupa, estamos há dois meses à espera da nova administração, sabe-se desde abril que vem aí uma nova administração. Temos agora quatro administradores mas pelo número reduzido não têm qualquer hipótese de gerir uma empresa com esta dimensão. Mas agora é também urgente que venha uma nova administração, mas que venha com um mandato definido e que façam aquilo que lhes é pedido que façam e não fazer aquilo que entendem.
Mas é natural que assim seja por as administrações serem nomeadas pelo governo?
O que verificamos é que a Caixa durante longas gerações nunca teve um tipo de atitude que pudesse indiciar que houvesse pressões por parte da tutela de então, mas, de facto, nos últimos anos tem havido aparentemente uma forma diferente de gerir a Caixa do que era habitual, mas também só terá sido possível porque houve um tipo de cobertura do governo de então.
E que casos são esses?
Por exemplo, no governo de Cavaco Silva, a Caixa avançou para a compra de um banco no Brasil, um banco que só por si era maior do que a Caixa, depois avançou para a compra de três bancos em Espanha, obviamente que ninguém faria isso sem ter a cobertura ou provavelmente mandato do governo de então para o fazer. São operações absurdas de fazer se não fosse assim. Mas depois as consequências disso, se resultaram ou não resultaram, se foi importante ou se foi desastroso, isso já ninguém vai pedir satisfações. Mais tarde a Caixa fez uma intervenção que serviu claramente para influenciar a gestão do BCP no tempo de Jardim Gonçalves, emprestando dinheiro ao empresário Joe Berardo ficando como garantia as ações do banco que hoje em dia não valem nada. Isto não pode ser feito sem existir a cobertura da tutela, ninguém é louco ao ponto de pôr centenas de milhões de euros nas mãos de uma pessoa, aceitando como garantia as ações de outro banco porque se sabe que é uma garantia que pode não ter valor nenhum. Ninguém faz isso, nem um banco privado e muito menos um banco público, alguém esteve por trás para dizer à administração para o fazer.
Há também o caso de Vale do Lobo…
Pode ter sido uma decisão interna da administração que considerou a operação como um negócio rentável ou pode ter existido realmente uma indicação por parte da tutela, ainda não se sabe. Mas há mais casos, há uns anos a Caixa emprestou dinheiro ao genro do Onassis, Thierry Roussel, para fazer uma plantação de flores perto da zona de Odemira e isso resultou num trágico negócio em que o banco perdeu uns largos milhões, também isso no governo de Cavaco Silva. Na altura soube-se que todos os bancos privados recusaram financiamento a Thierry Roussel e a Caixa fê-lo. Não acreditamos que a Caixa o tenho feito sem ter havido por parte de São Bento uma orientação.
E há mais casos?
Sim, por exemplo, quando Jardim Gonçalves atacou a compra de ativos de Champalimaud tentando dar um passo maior do que a perna porque não tinha dinheiro para comprar isso, quem é que acabou por intervir para ajudá-lo nessa operação? Foi a Caixa, mas não foi por obra e graça de quem estava na administração, foi porque alguém da tutela deu essa indicação e eles fizeram. Depois quando a Caixa enquanto banco público foi o maior acionista do BCP sem nenhum sentido e sem nenhuma lógica a não ser para meter dinheiro no BCP, alguém deu a orientação para se fazer isso e depois resultou numa tragédia de prejuízos quando as ações do BCP começaram a vir por aí abaixo. Estima-se que a Caixa tenha perdido mais de mil milhões nessa situação.
Esses negócios ruinosos acabaram por criar uma bola de neve?
O problema é que os governantes e, até a banca em geral, criaram a ideia que a Caixa tinha uma dimensão, uma capacidade financeira e um poder tal que aguentava tudo. Nós digerimos o BNU que foi um problema sério, meteram a gestão do BPN, a Caixa investiu cinco a seis mil milhões de euros e mais de metade desse dinheiro ainda não foi pago. E não veio para aqui o Banif quase por um milagre porque também era para vir. A empresa não tem dimensão para aguentar tudo isto, aguenta-se uma, aguenta-se duas mas às tantas parece um carro de bombeiros que fica sem água para apagar o fogo. Houve aqui um desequilíbrio da forma como a Caixa foi usada pelos vários governos sem medirem as consequências e até que ponto podiam usá-la e deram-se passos exagerados e sem sentidos. Mas apesar disto, a Caixa continua a ser o banco português em que as pessoas confiam.
Ainda assim há a ideia que o banco pode precisar de quatro mil milhões de euros?
Para já não será preciso quatro mil milhões de euros, será menos. Os quatro mil milhões é um valor mais confortável para a administração que vier, mas independentemente do montante, o problema que o banco tem é ao nível de rácios que tem de cumprir, a própria dimensão do banco exige manter rácios a níveis que às vezes não são fáceis de obter. É estranho que, num momento em que a situação bancária do país na sua globalidade é muito complicada, e o segundo maior banco do país que é o BCP tenha ações a valer um cêntimo ou um cêntimo e meio, que é uma situação que deve merecer atenção e preocupação, se foque as atenções num banco que tem mais dinheiro. Isso é uma situação esquisita. A Caixa por razões que a ultrapassa entrou para a agenda política e está a ser usada para a agenda política. Em vez de a Caixa estar a ser usada para o funcionamento da economia está a ser usada como arma de arremesso político e isso é preocupante.
O PSD propôs a criação de uma comissão de inquérito e já teve o apoio do CDS. Como vê esta medida?
Vai ser um problema sério e vai ter consequências imprevisíveis até pela forma como a Comissão de Inquérito parece estar a ser montada e é claramente uma lavagem de roupa suja na praça pública. Quem à partida fica afetada na sua imagem vai ser a própria instituição e quem está a fazer isso não parece que esteja a medir as consequências. Quem está a fazer isso está a fazer em favor da sua agenda política. E o que é que vai restar disso? Aparentemente ninguém se preocupa com isso.
Mas há quem esteja contra esta comissão de inquérito…
Há quem tenha chamado a atenção para as consequências. Mas no final disto tudo é a imagem do banco que fica afetada. O banco pode ficar na lama porque fala-se disto e daquilo, porque está envolvido aqui e acolá e tudo isto por ter existido atitudes precipitadas. A Caixa sempre teve num pedestal de confiança acima de qualquer suspeita por razões óbvias e compreensíveis e de repente está-se aqui a criar uma situação que não se sabe o que vai restar depois de ela acabar. Não há medo da comissão de inquérito, agora é preciso saber o que se está a fazer e o que se quer atingir e se há a noção exata do que pode vir a acontecer. E se não se sabe então o melhor é não vir a precipitar qualquer tipo de acontecimento porque depois pode-se abrir uma caixa de Pandora que não se sabe depois como controlar.
E concorda com a ideia de fazer uma auditoria?
É perfeitamente compreensível e legítimo que se façam auditorias. Por exemplo, a ideia de fazer uma auditoria forense e até com eventuais consequências criminais faz todo o sentido. Faça-se isso com a descrição que deve ter, mas parece-me que se pretende com este inquérito é ir para a praça pública. E depois quem é que vai apanhar os cacos no final? Pessoas que não têm nada a ver com isto.
O sindicato assinou recentemente um novo acordo de empresa…
Assinámos no final do ano e foi publicado em janeiro.
Mas se o banco avançar com medidas mais drásticas, os trabalhadores estão abrangidos pelas regras deste novo acordo?
Este acordo de empresa aplica-se, por exemplo, numa situação hipotética de despedimento coletivo, mas quando assinámos o acordo de empresa não estávamos a adivinhar um cenário deste género, como ainda não queremos acreditar, foi apenas por uma situação de precaução.
Mas num cenário desses, os valores de indemnização são superiores aos que são aplicados pela lei?
É superior ao que está em vigor no código de trabalho. Mas voltamos novamente à questão em que se baseia esse número hipotético de despedimentos. Mas despede-se porquê? Só se é para fechar a Caixa. O único banco que tem credibilidade, que tem condições e que pode de facto dinamizar o financiamento da economia é que se vai deitar abaixo? Não faz sentido.