Sem números concretos, mas com efeitos imediatos. É isto que caracteriza o despedimento coletivo no Porto de Lisboa, que foi anunciado ontem.
A decisão surge na sequência da falta de entendimento entre operadores do porto e os estivadores, que estão em greve há mais de trinta dias. “Chegamos ao limite. Há mais de um mês que o Porto de Lisboa está completamente parado. Vamos avançar para um despedimento coletivo, porque temos que redimensionar por não termos trabalho”, afirmou Morais Rocha, presidente da Associação de Operadores do Porto de Lisboa (AOPL).
Apesar de não adiantar quantos dos 320 estivadores vão ser abrangidos pelo despedimento coletivo, Morais Rocha garante que é fácil de justificar a decisão: “O Porto de Lisboa está completamente parado”. O despedimento terá como base uma análise que será feita “secção a secção”.
A decisão, que apanhou muitos de surpresa e que representa uma situação limite, surge depois de, na sexta-feira passada, o Sindicato dos Estivadores ter recusado uma nova proposta para um novo contrato coletivo de trabalho.
De acordo com as contas que têm sido divulgadas, os armadores têm estado a perder cerca de 300 mil euros por dia e a situação do Porto de Lisboa é cada vez mais instável.
Em resposta ao anúncio do despedimento coletivo, o Sindicato dos Estivadores está a convocar uma manifestação para o dia 16 de junho.
Lista negra dos operadores Em janeiro deste ano, o governo anunciava o fim de um conflito que durava há mais de três anos e garantia o fim das greves. Mas uma nova greve e uma nova ronda de negociações começou logo a seguir: em abril, os estivadores convocavam uma nova paralisação. Enquanto isso, os principais operadores começaram a fugir das perturbações. E os alertas começaram a multiplicar-se.
A greve acabou mesmo por ser prolongada, com incidência também nos portos de Setúbal e Figueira da Foz, e começou a levantar vários e sérios problemas como o facto de colocar Lisboa na lista negra dos principais operadores do mercado internacional.
Um alerta que foi dado também por Pedro Queiroz, diretor-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares (FIPA), que esclareceu que estes operadores “não estão a fornecer cotações de matérias-primas para o mercado português, devido à instabilidade da situação criada em Portugal”. E alertou: “As que são disponibilizadas apontam para acréscimos de preços que nada têm a ver com os preços do mercado”.
Uma situação que ganha ainda mais peso depois de, em dezembro de 2015, alguns armadores terem abandonado o porto de Lisboa para fugirem da greve dos estivadores, que entrou em curso a 14 de novembro.
Falta de produtos nas ilhas Um outro grave problema que se levantou foi a falta de produtos que começou a afetar os Açores e a Madeira. Os comerciantes das regiões autónomas estão com dificuldades em receber bens para entregar aos clientes. Há relatos de dificuldades em lojas de vestuário e em stands de automóveis. E, na semana passada, já havia mais de duas centenas de contentores no Porto de Lisboa à espera de serem expedidos.
Entretanto, também a Força Aérea foi chamada a intervir de forma a garantir o stock de medicamentos. “O Governo Regional da Madeira face aos constrangimentos que decorrem da greve no Porto de Lisboa, solicitou à Força Aérea Portuguesa o transporte de um conjunto de medicamentos considerados indispensáveis para os madeirenses e portossantenses, a fim de evitar roturas de stock”, pode ler-se no comunicado emitido por Miguel Albuquerque.
Governo tenta solução A ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, admitiu ontem que a greve dos estivadores começou a comprometer toda a viabilidade económica do Porto de Lisboa e, por isso, voltou a apelar ao entendimento entre estivadores e operadores portuários, sem, no entanto, conseguir “nenhum avanço”.
“É uma situação que não pode continuar porque neste momento começa a ser posta em causa a viabilidade económica do próprio Porto de Lisboa. Isto não pode acontecer, estamos a degradar uma atividade extremamente importante para a economia nacional e para a criação de emprego”, sublinhou ainda.
Sem acordo à vista Na base da greve dos estivadores está a falta de acordo sobre a progressão de carreira e a defesa, por parte dos sindicatos, de que a atividade portuária seja feita por estivadores e não por trabalhadores não qualificados a ganhar perto do salário mínimo. Os sindicatos exigem, também, que os trabalhadores que trabalham no Porto de Lisboa há vários anos deixem de ter contratos precários.
A verdade é que a greve dos estivadores tem gerado muita polémica e muitos apontam o dedo à falta de entendimento. Para o presidente da Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP), Bruno Bobone, a continuação da greve prejudica o país de forma “inaceitável”: “ Estes senhores vêm prejudicar a economia portuguesa”.
O i tentou, sem sucesso, contactar o Sindicato dos Estivadores e ainda o Ministério do Mar.